O Blog do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes é um dos veículos de comunicação em que circulam informações, produção de conhecimento, experiências clínicas e de pesquisa de seus diferentes membros. A interlocução com o público, dentro e fora do Departamento, é uma maneira de disseminar a troca no campo da Psicanálise e possibilitar a ampliação do alcance das reflexões em pauta. Equipe do Blog: Fernanda Borges, Gisela Haddad, Gisele Senne de Moraes, Lucas R. Arruda e Paula Lima Freire.

terça-feira, 30 de abril de 2019

Comemoração dos 30 anos da Revista Percurso

Revista Percurso editada pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae completou 30 anos de existência!



Para comemorar foi realizado um evento no dia 6 de abril com os psicanalistas convidados Ana Staal (França) e Fernando Urribari (Argentina), além de  Camila Salles  e  Miriam Schneiderman que compuseram duas mesas coordenadas por Mania Deweik e Lila Vidigal.

Veja a seguir um trecho da apresentação da nossa colega do Departamento Mania que há 31 anos se dedica a edição da revista:
   
Bem-vindos a esta comemoração dos 30 anos da Percurso. São ao todo 60 números.  

Projeto Coletivo criado por sonhos conjuntos de vários colegas que se encontraram em 1987 para um ano inteiro de conversas: discussões a respeito da escolha da linha editorial, formato, nome, número de seções (que foram crescendo ao longo dos anos)etc. Em 1988 o lançamento do número I da Revista. Um orgulho enorme, um compromisso com o Departamento de Psicanálise e com a comunidade psicanalítica em geral! 
  
Desde então, construída a várias mãos, a vocação de Percurso tem se evidenciado nos vários textos produzidos, explicitando a psicanálise que praticamos: não neutra, inserida na cultura e suas várias formas de expressão, comprometida com a leitura crítica do fundador da psicanálise, aberta às várias correntes, implicada na formação interminável e ética do analista. 

Contra o pensamento hegemônico, ampliamos uma gama de vozes que, ao ampliar fronteiras por meio do continuo movimento de línguas, permitiu abrigar diferentes    
Linguagens para que cada autor pudesse se expressar. 
  
É consenso aceitarmos e reafirmarmos que a formação do analista supõe estudo teórico, experiência da própria análise e supervisão: o famoso tripé. Eu acrescentaria mais um pé aos três já conhecidos. 

O pé da escrita.  Escrever a clínica a fim de possibilitar novas aberturas metapsicológicas, tecer críticas, construir novas hipóteses a partir da vivência na clínica, propor novos enquadres, sustentar o compromisso ético com a Psicanálise e outros saberes e com os desafios colocados pelo tempo em que vivemos pela complexidade de um mundo em acelerada mutação. 
  
Trata-se de uma escrita cujo eixo não permita que o cabedal psicanalítico caia no inefável da intuição ou no indizível da criação pessoal.  

Escrita que possa ser transmitida, discutida, refutada e criticada a fim de criar um movimento que afine nossas práxis e possibilite a criação de novos dispositivos para nossas diversas intervenções no social, na política, nas instituições, nas ONGS, nos ambulatórios de Saúde Mental, no trabalho e em todos os lugares onde houver um ser em sofrimento. 
  
Cada um de nós é uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações nos diz Calvino. Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, uma montagem de estilos onde tudo pode ser reordenado, remexido em infinitas combinações. Falar e escrever sobre isto para tocar outros semelhantes é fazer Psicanálise no melhor de seus sentidos possíveis. 
  
Esta é a posição da Percurso desde o número I: ser um lugar plural, de interlocução tanto para membros, alunos e ex-alunos do nosso Departamento como para psicanalistas das mais diversas Instituições e linhas teóricas. 

Contemplamos e tentamos sustentar a diversidade, singularidade e estilo dos diferentes articulistas, debatedores, entrevistados e desenhadores. 
  
Começamos pequenos e autorreferentes, reafirmando a Carta de Princípio do Instituto Sedes Sapientiae em nosso primeiro editorial. 

Percurso era uma condição entre outras para que, do Curso, pudéssemos constituir um Departamento neste Instituto. 

Friso o “neste instituto” porque foi uma escolha consciente e compartilhada por sua contínua história de luta pela democracia e por abrigar diversas clinicas politicamente engajadas no atendimento dos mais diversos flagelos a que está exposto o ser humano e por seu compromisso de construção de dispositivos para combater as desigualdades sociais. 
  
Este nosso evento ocorre num momento político altamente tenso e polarizado desde o paroxismo desencadeado pela eleição presidencial de 2108 e seus efeitos no ano que corre e no qual vivemos tempos de violência, quiçá um novo tipo de violência, ainda a ser decodificado. 
  
Violência Tupiniquim? Violência Mundial? Violência Globalizada? 
  
O filosofo Coreano Byun Chun Han  fala em Violência Neuronal no livro “Sociedade do Cansaço“. Esta é caracterizada pelo desaparecimento da alteridade e da estranheza. À diferença pós-moderna falta a estranheza que provocaria reação ”imunológica “. 
E uma estranheza neutralizada pelo consumo. 

O estranho cedeu lugar ao exótico. Os vários eventos e fenômenos do cotidiano perdem sua especificidade e ganham um mesmo horizonte de sentido: são todos referidos a uma proteção contra um risco. 

Viveríamos uma época que o autor caracteriza como imunológica. 

O imigrante não é um outro, não é um estrangeiro, ele é um peso, uma ameaça. O paradigma imunológico não se coaduna com o processo de globalização. A dialética é o traço fundamental da imunidade. 
  
Vivemos numa época pobre de negatividades. Vivemos um exagero de positividade. A violência viria da positividade, do totalitarismo do igual, absorção e assimilação. 

A comunicação generalizada e superinformação ameaçam todas as forças de defesa possíveis.  A violência da positividade gera o super desempenho. A positivação do mundo faz surgir novas formas de violência, violência sistêmica, imanente ao sistema. Se, de um lado há a eliminação das resistências nas fendas do poder há também outra positividade, a da alegria como uma forma de resistência à violência. 

Para esta apresentação, pensei em falar em nome de todos os grupos que “fabricam” a Revista. Assim pedi a cada grupo que me enviassem um pequeno texto que, em forma de associação livre, contasse como tem sido participar deste coletivo, como é o cotidiano do fazer a Revista e que futuro imaginam para ela. Gostaria de destacar traços comuns que sobressaíram da leitura dos textos dos diversos grupos de trabalho: o orgulho da Revista pronta e bonita, a satisfação do aprendizado conjunto, o prazer do estudo com interlocutores atentos e, principalmente, a alegria do convívio amistoso e fraterno na realização de uma revista de grande qualidade editorial. 
  
Esta, penso, é uma alegria que potencializa a autopreservação da existência e extrai do Homem, exposto às paixões e aos desejos, um esforço de troca, de comercio, de construção de acordos que promovem uma expansão. 

Para Byun Chun Han   a Liberdade é uma nova forma de Coerção – a coerção do Homem do Desempenho. Aquele que explora a si mesmo. Mas, paradoxalmente, para ele, ser livre é estar com amigos – ele faz uma junção entre Freund (amigo) e Frehert (Liberdade).
Liberdade é uma palavra relacional assim como felicidade é um feliz estar junto.