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Mostrando postagens de setembro, 2020

Da escuta ao território: algumas reflexões sobre o projeto Escuta 60+

  Desde o início da quarentena surgiram serviços de plantão psicológico online para cuidar dos sofrimentos decorrentes do isolamento e do medo frente a pandemia. Confira a seguir o texto de Cristiana Kehdi Gerab sobre o escuta 60+. DA ESCUTA AO TERRITÓRIO: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O PROJETO ESCUTA 60+ Cristiana Kehdi Gerab   Cida, 66 anos, desesperou-se com pensamentos que passaram a “martelar” em sua cabeça a partir do momento em que, por conta da pandemia, viu-se confinada e isolada em seu apartamento. Mulher ativa, financeiramente independente, afirma ser dona do próprio nariz. Os pensamentos, no entanto, remontam a uma relação complicada com o filho mais velho. É apenas no rapaz que fala ininterruptamente, acentuando o quanto lutou por ele, por sua saúde, seu bem-estar, o quanto tentou “salvá-lo” de situações que poderiam tê-lo arruinado. Cida., inconformada, sem acesso ao rapaz, sente-se abandonada e não reconhecida por todo esforço que fez pelo garoto, referindo-se a ele co

Os sonhos pandêmicos e o silêncio do tirano

Rodrigo Alencar trata da violência dos silenciamentos e da resistência do sonhar. Enquanto um sufoca, o outro trabalha.   OS SONHOS PANDÊMICOS E O SILÊNCIO DO TIRANO          Aqui vai um sonho que você não terá dificuldade de decifrar. Um gavião do cerrado, também conhecido como Carcará, sobrevoava o Palácio do Planalto que estava envolto com uma nuvem verde, densa e parecia fazer mal a quem a respirasse. Com seus olhos de gavião super apurados avistava um homem cuja língua saía para fora da boca e se estendia por todo o entorno, enforcando e emaranhando pessoas que chegavam até ali seduzidas por uma performance grotesca, mas que naquele momento, se viam enforcadas pela língua. A língua espremia as pessoas que seguravam câmeras e as pessoas não sabiam se tentavam se defender ou filmavam, perdendo a capacidade de diferenciar uma coisa de outra. O Gavião, que sabia que iria atrair a atenção por seu aspecto impressionante, mas não suportava a baixeza de certos espetáculos, de

Socorro!

  O Blog do Departamento de Psicanálise publica hoje a crônica pesadelo da psicóloga e psicanalista Mariângela Rodrigues Di Bella .   Socorro! Socooorro!!!! Alguém pode me acordar desse pesadelo? Não, não estou falando só do Corona. Falo, também, do Carona: aquele cara (de pau) que pegou carona no insucesso alheio, na esperança traída, na revolta justa frente à ganância inescrupulosa, no ódio consentido, na intolerância incontida, nas fakes, na faca, no oportunismo barato e tantas outras tábuas que foram passando e servindo de palanque para uns e salvação para outros. Parece mesmo um pesadelo, daqueles que você tenta acordar, mas não consegue. Cenários e cenas se deslocam e se condensam, tentando, sem muito sucesso, contornar a angústia que se apresenta o tempo todo. Os conteúdos se manifestam, aparentemente desorganizados e incompreensíveis, provocando uma sensação inquietante de desamparo no agora e no por vir. Corona, Covide, 120.000 mortos por causa de uma "gripezi

A xícara, o café, o resto

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O Blog do Departamento de Psicanálise publica hoje a escrita de nossa colega psicanalista Juliana Fagundes. Exposição Equilíbrio Instável, de Paul Klee. CCBB, SP, 2019/ Obra Sob o Manto Assim devaneou. Quieta. Sem um pensamento. E percebeu que a incompreensão era o atalho para . Preparou o café com olhos repetidos. Só para sentir. Só para lembrar. O exercício era reviver o instante da padaria. A xícara, o café, o resto. Pôs-se, então, na cozinha do apartamento, a mexer com suavidade a bebida já pronta: uma volta, duas voltas… A quentura do café exigia mais uma volta e meia, aproximadamente, quando de repente a colher e o café, que circulavam na mesma direção, pareciam agora ir em direções contrárias. O café girava para a direita. A colher, para a esquerda. Tudo em desarmonia. Como quando tomamos banho numa praia sem ondas, mas com uma correnteza forte demais, querendo nos levar para o fundo do mar ₋ enquanto nos esforçamos para ir para o rasinho. Para o seguro. Pausa. Pegou a xícara no