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Mostrando postagens de junho, 2020

Pandemia & Pandemônio - Pensando os novos desafios das crianças, ou com crianças

Leia a seguir o texto de Mira Wanjtal que traz importantes reflexões sobre as mudanças no funcionamento das famílias e seus filhos durante a pandemia. PANDEMIA & PANDEMÔNIO PENSANDO OS NOVOS DESAFIOS DAS CRIANÇAS, OU COM CRIANÇAS Mira Wajntal Parte I - Dos pandemônios do século para as crianças Hoje em dia, quando se aborda o tema da infância, costuma-se falar de sua potencialidade de adoecimento, dos destinos patológicos de tudo que lhe pode acontecer. Longe de ignorar todas as faces e destinos da privação e do traumático, não deveríamos valorizar o potencial de criatividade e transformação da criança? A infância se tornou o berço, por excelência, da psicopatologia, tudo que se aborda em torno dela diz a respeito de uma prevenção, de um ideal de futuro. Algo diferente pode ser construído? Suspeito que esta tendência em ver o infantil pelo viés da patologia vem da ideia de que uma escola de psicanálise se constitui, como narra Mezan (2014), em “O tronco e os ra

Depois... só depois

Nossa colega Maria Laurinda Ribeiro de Souza , professora do curso de Psicanálise, sensibiliza-nos com sua poesia sobre o tempo depois. Não percam! Depois... só depois Depois... passado o tempo horas, dias, meses? (Não sabe dizer) O céu escureceu O silêncio desapareceu. Reconheceu a antiga correria da vida. A luta contra o tempo. (Perdido?) As periferias cresceram Os refugiados, novamente, perderam-se no mar. Onde o medo? Onde a terra devastada? Onde a hospitalidade? A solidariedade? As mudanças desejadas? Pensou na morte   Dos conhecidos - desconhecidos Anônimos - desaparecidos Em todos que não tiveram   tempo. despedidas. velório. flores. homenagens. uma cova digna. Seus tempos são de luto. Em cada cova coloca flores. Conta estórias de um mundo diferente. Sonha pelos que não podem mais sonhar Depois, só depois, outra vida possível Maria Laurinda R. Sousa é membro do Departamento de Psic

A trincheira e um sonho

A força das palavras revelam a força do impacto do estado de pandemia, da política e da morte. Confiram a seguir o texto “A trincheira e o sonho” de nossa colega do departamento Maria Elisa Pessoa Labaki. A TRINCHEIRA E UM SONHO Maria Elisa Pessoa Labaki 1. Trincheira Se insisto em receber as provisões do sensível é porque posso me recolher junto à trincheira, em cujo fundo atapetado descanso um pouco e vou ao encontro de respostas. Observo, tiro fotos, faço distinções e grito nomes, cores, formas para me distrair da agonia do tiro que me atingiu e quase me arruinou, mas do qual consegui escapar pelas beiradas do furo que me deformou. Vigio as fronteiras da dor, que corre abundante por entre afluentes e atinge impiedosa o flanco onde está o buraco hiperinvestido pelo estrago. Forço, tento consumar o devir inédito, assim como a criança que deturpa a ordem olha pela abertura da fechadura, por onde se alcança a parte daquilo do qual se foi excluído, e vê os corpos entrela

Cancelando

Confiram a seguir Cancelando . Uma crônica sobre a experiência de isolamento social escrita pela colega  Yone Maria Rafaeli a partir do relato de um sonho.   Cancelando Quando estou para cruzar a cancela do estacionamento, ela se fecha e aparece um segurança que me sinaliza para dar ré. Obedeço a ordem, engato a ré e me distraio. Antes de colidir, acordo. Salva pelos recursos oníricos. O que não pode se realizar? A passagem ou a colisão? Dessa colisão eu me salvei. Mas o que ficou cancelado? O que estamos cancelando? CPFs cancelados, viagens canceladas, encontros cancelados, festas canceladas, casamentos cancelados. Cansada de ficar com tudo cancelado. Cancelada a liberdade de viver lá fora, mas não a vida cancelada. Pode estar cancelado o frenético de ir e vir.  O frenético que não me deixava ver as plantas crescerem, que não me deixava fazer a comida, relembrar as laçadas das agulhas de tricô e crochê, ler páginas e páginas daquele romance instigan

Sobre vida e morte em tempos de pandemia

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No afã do crescimento e do progresso, reencontramos ruídos de nossos primórdios na arcaica linguagem biológica do vírus... E descobrimo-nos frágeis como espécie. Nosso colega Alcimar Alves de Souza Lima , professor do Curso de Psicanálise do Departamento, convida-nos a pensar sobre tal condição. SOBRE VIDA E MORTE EM TEMPOS DE PANDEMIA                                                                                               Vivemos hoje em um momento sinistro. Uma pandemia surgiu inesperadamente em nossos horizontes e como consequência um isolamento entre os homens pulsou e ainda está pulsando, deixando marcas indeléveis em nosso cotidiano e em nosso porvir. Isso é contrário à vida, pois essa se caracteriza por forças que estão sempre em contínua e rítmica movimentação, mas, no momento o isolamento social é a grande arma que temos para evitar que a saúde pública entre em colapso. A pandemia nos trouxe esta contradição. A natureza profunda da condição h

Bolsonaro e o mal

Seguindo ainda as pistas de Nuno Ramos em seu recente artigo publicado na Ilustrissima,  Rafael Pinto Morais analisa o mal em Bolsonaro em conversa com Bataille e Freud. Confiram:  Bolsonaro e o mal Rafael Pinto Morais* Os que guardam alguma decência sabem que duas desgraças assolam o Brasil, o bolsonarismo e a disseminação do coronavírus. Felizmente, não faltam reflexões sérias que dotam de sentidos nossa experiência tão conturbada e nos convocam a algum engajamento. O artigo de Nuno Ramos publicado no dia 03 de maio no caderno Ilustríssima da Folha de S. Paulo, está entre os textos mais interessantes com que me deparei nos últimos tempos. Nuno é um artista competente e escreve como monta uma de suas peças. O texto justapõe noções que convergem para um argumento central e, ainda assim, abrem espaço para as próprias construções do leitor. Entre quem escreve e quem lê está estabelecido um jogo que, se bem jogado, potencializa a obra. Aqui aceito o desafio proposto e me

AÇÕES NA PANDEMIA

Confira a seguir o texto de nossas colegas do Grupo Faces do Traumático sobre o atendimento grupal de residentes de medicina na atual situação de pandemia. AÇÕES NA PANDEMIA Submersos no imprevisível, no surpreendente, no sobressalto e na ameaça que coloca em risco a sobrevivência física e psíquica do sujeito, nos encontramos expostos coletiva e individualmente  ao impacto do  trauma. Comprometidos com o estudo deste tema e com uma intervenção que permita atenuar e processar o sofrimento psíquico e suas possíveis sequelas, nos propusemos, a partir da sugestão de uma sextanista  de Medicina   e de seu depoimento em relação as tensões, angústias e temores que estão vivendo seus colegas e residentes, oferecer atendimento a eles por meio de um grupo de apoio. Embora esperássemos, obviamente, que esta modalidade de atendimento tivesse um efeito terapêutico, nossa oferta não era estritamente de grupo psicoterapêutico. Nos propúnhamos oferecer uma escuta mais centrada no mome

Pequena reflexão sobre a clínica na quarentena

Como no dia da marmota apresentado no filme Feitiço do Tempo (1993), para as pessoas que estão em isolamento social os dias tem sido sentidos como uma contínua repetição de mesmos fatos, um cotidiano impedido de descontinuidade. Nossa colega Ana Patitucci tece reflexões sobre a necessidade de enlaçar a repetição cotidiana com movimentos de vida. PEQUENA REFLEXÃO SOBRE A CLÍNICA NA QUARENTENA A condição humana é trágica. Freud a descortinou em Além do princípio do prazer , ao identificar e nomear a pulsão de morte, formulá-la como o par antagônico da pulsão de vida e considerá-las a base de nossa existência. Ao longo da história da humanidade, essa condição se tornou explícita principalmente nos períodos onde as tragédias inundaram o cotidiano, tal como nas grandes guerras. Vivemos, agora, algo dessa ordem.   Nesse ano que se completa o centenário do ensaio que marcou a virada teórico-clínica na obra freudiana, eis que o mundo inteiro se vê frente à ameaça da pandemia do C