Cancelando
Confiram a seguir Cancelando. Uma crônica sobre a
experiência de isolamento social escrita pela colega Yone Maria Rafaeli a partir do relato de um sonho.
Cancelando
Quando estou para cruzar a cancela do estacionamento, ela se fecha e aparece um segurança que me sinaliza para dar ré. Obedeço a ordem, engato a ré e me distraio. Antes de colidir, acordo.
Salva pelos recursos oníricos. O que não pode se realizar? A
passagem ou a colisão?
Dessa colisão eu me salvei.
Mas o que ficou cancelado? O que estamos cancelando?
CPFs cancelados, viagens canceladas, encontros cancelados,
festas canceladas, casamentos cancelados.
Cansada de ficar com tudo cancelado. Cancelada a liberdade de
viver lá fora, mas não a vida cancelada.
Pode estar cancelado o frenético de ir e vir. O
frenético que não me deixava ver as plantas crescerem, que não me deixava fazer
a comida, relembrar as laçadas das agulhas de tricô e crochê, ler páginas e
páginas daquele romance instigante, sentar sem pressa no sol da varanda,
assistir aos filmes da Netflix ora divertido, ora trágico.
Essa ré me faz saber que a vida assim recolhida, também é
vida.
É a vida suportada pelos arquivos da memória.
É tempo de ré, de ficar em celas, para logo mais atravessar a
cancela, sem pressa, para não cancelar as vidas.
E saber que não serei ré por ter colocado mais vidas em
perigo, para não cancelar sonhos. Que a humanidade continue tendo sonhos
e sonhadores.
Suportar a vida é e será sempre o dever de todo
vivente.(Freud).
Yone Maria
Rafaeli
é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes
Sapientiae, ex-membro do Serviço de Psicologia da Derdic-Puc-SP. É coorganizadora do livro Audição, Voz e
Linguagem: a clínica e o sujeito. São Paulo: Cortez, 2006.
Yone: nada como um sonho para inspsirar a vida acordada!!!! Obrigada. Eva
ResponderExcluirLindo texto!Bela elaboracão coletiva do sonho!
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