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Mostrando postagens de agosto, 2020

Memórias

Marcelo Vial faz um texto-homenagem a nossa querida colega Sandra Navarro que tanto nos fará falta.   MEMÓRIAS Esta manhã participei da homenagem à Sandra Navarro. Ela se foi na madrugada do dia 23 de agosto. Há 6 dias, portanto. Sua partida inesperada me causou espanto, tristeza, saudade. Mas sua memória também me trouxe alegria. O meu primeiro pensamento com a notícia de sua morte foi a construção imediata da sua imagem. Em seguida pensei que não a encontraria mais nos cafés ou nos corredores do Sedes, como sempre acontecia. Já não veria mais aqueles olhos iluminados, sempre enquadrados por um “sorriso de rosto inteiro”. Sandra certamente será lembrada por sua beleza incontestável. Ela era uma mulher linda. O impacto doloroso da notícia diminui com o passar dos dias e eu vou compreendendo que a sua imagem sede espaço para alguma coisa diferente na minha memória. Eu tive o prazer de ter sido seu aluno em 2018 no seminário “A Sexualidade Infantil e o Complexo de Édipo”, um t

Os besouros

Hoje o Blog apresenta uma crônica escrita pelo nosso colega Sergio Telles .   OS BESOUROS Sergio Telles No jardim da casa de meus avós havia uns besouros grandes, esféricos, brilhantes, verdadeiros bólidos voadores pretos, daqueles que a gente pensa como um bicho desse pode voar tendo formas tão distantes daquelas consideradas apropriadas para tanto, as tais formas aerodinâmicas. Eles voavam tão vagarosamente que dava para ver suas asas girando, produzindo um zumbido característico, contínuo, monocórdio. Não eram como as moscas, sempre tão alertas, que a qualquer mínimo movimento nosso voam tão rápido que mal vemos suas asas se moverem. Esses gordos besouros, não. Em seu voo cego, não fugiam de nós. Pelo contrário, muitas vezes voavam diretamente em nossa direção, mas não com objetivo bélico, como as vespas que deliberadamente nos atacavam, fazendo-nos alvo de suas ferroadas. Os besouros voavam lenta e desajeitadamente, como se não soubessem para onde ir, que direção tomar e, de

Solidão na aglomeração versus a falta de privacidade no isolamento

Neste texto, Isabel Tatit e Rodrigo Alencar questionam o fato desta quarentena nos fazer pensar sobre o avesso da experiência de solidão nas aglomerações. Confiram!   Solidão na aglomeração versus a falta de privacidade no isolamento Isabel Tatit e Rodrigo Alencar Hoje em dia há um certo frisson com espetáculos ditos “interativos”. Sabemos, no entanto, que a depender do tipo de interação, o espectador pode se sentir constrangido ou, na melhor das hipóteses, um pouco babaca. Basta resgatar na memória o insuportável: “bom dia criançadaaa.... vocês não comeram arroz com feijão hoje? Está fraco... bom dia criançadaaa!”. O show “interativo” que busca desesperadamente sustentar a fantasia de complementariedade entre artista e plateia, como se a experiência fosse vivida de ambos os lados da mesma forma, tende a fracassar. Embora existam belas exceções (os espetáculos que produzem uma espécie de sentimento oceânico (1), no qual o artista e público se sentem em comunhão total, co

A Alegria de me Encontrar

Nosso colega Douglas Rodrigo Pereira compartilha com o Blog o belo relato de uma real paciente fictícia durante a pandemia. A ALEGRIA DE ME ENCONTRAR 00h40. “A tela em minhas mãos escurece meus olhos com tanta luz. Cores mortas e um ensurdecedor excesso de nada me dão boa noite. Entre o boa noite e o adormecimento, viro e me reviro por horas em minha cama desconfortável”. 08h20. “Depois de abrir os olhos e me espreguiçar um tanto, ainda sem me levantar da cama, comunico-me com o mundo. As vozes que me dizem “bom dia, família” sempre andam em companhia de coraçõezinhos e mãozinhas de benções. Mas o que gosto mesmo é das mensagens com bichinhos fofos: com as suas vozes estridentes e irritantes, eles recitam frases motivacionais retidas da traseira de algum caminhão velho e empoeirado”. 8h35. “Ainda com o rosto inchado de uma noite mal dormida, daquelas em que percorremos uma maratona no curto caminho entre a cama e o banheiro, recebo as compras da semana. Conto umas vi

Nem oito nem oitenta

Através de seu conto Maria Letícia de Oliveira nos faz mergulhar na alma de sua personagem nestes tempos de pandemia.  Confiram! Nem oito nem oitenta Comecei a seguir uma página no instagram para mulheres acima de 40. Dicas de maquiagem para a pele madura, fotos de roupas num certo atelier, unhas esmaltadas. Acho que até frases de auto ajuda a página coloca, comemorando dois anos no ar. O que faço ali? Limpar, tonificar, hidratar e clarear. Sentia algum conforto em começar um novo ritual. Não, não era possível atribuir todo aquele horror ao ciclo menstrual. Entrei na internet e escrevi “tensão pré-menstrual na quarentena”. Uma série de matérias apareceram. Mas não eram suficientes. Atribuir tudo aquilo ao hormônio era dar muito poder a ele. Mas essa atribuição do mau humor ao hormônio ficou mais simples na quarentena, eu acho. Tenho mais tempo pro meu marido agora e não quero me preocupar tentando explicar a ele que não se trata de hormônios o tempo todo. Afinal, a gente

O superego da quarentena

Na tensão entre o ideal e o possível, Rodrigo Alencar nos fala dos modos de viver e sofrer a quarentena. Confiram! O superego da quarentena Rodrigo Alencar Há uma piada que pode nos servir de forma emblemática para essa primeira metade de 2020. Funciona da seguinte maneira: Três condenados serão presos durante quarenta anos e só podem escolher uma coisa para lhes fazer companhia durante a reclusão: 1. O primeiro, muito culto, pede uma grande quantidade de livros, que preencha sua cela do chão até o teto. Após o pedido atendido, a porta da cela é trancada; 2. O segundo, apaixonado pelo aperfeiçoamento físico, pede que seja equipada uma academia em sua sala. Mesmo que quarenta anos depois, espera sair mais forte, bonito e vigoroso do que entrou. 3. Já o terceiro, fumante inveterado, pede que sua cela seja apinhada de seus cigarros favoritos. Acredita que em quarenta anos, o que mais lhe ajudará a passar o tempo será seus cigarros. Após 40 anos, as celas são aberta