Os poliálogos nas sociedades de matizes

Texto de Alcimar Alves de Souza Lima




Por ocasião das manifestações nas ruas no ano de 2013, escrevi o artigo “Das sociedades de massas às sociedades de matizes”. Neste texto abordei um acontecimento ímpar, que era uma nova auto-organização do social a qual estava sendo pulsada naquele momento.

Esta nova forma consistia em que a população estava podendo se auto-organizar nas redes sociais a respeito de suas insatisfações políticas. Num segundo momento deste processo, o que estava acontecendo no universo virtual realizava-se nas ruas. Verdadeiras nuvens de pessoas ocupavam as esferas públicas aparentemente sem nenhuma proposta concreta no sentido político/social. Apesar dos disparadores todos os conteúdos manifestos em cartazes, que surgiam num primeiro momento,pareciam confusos e desconexos,mas, os elementos latentes viriam a surgir em outras manifestações e seriam elaborados a posteriori.

Este processo não cessou mais...

Acredito que tudo isso foi possível e está sendo possível por duas razões: o avanço tecnológico no campo das comunicações e como a população foi se apoderando destas novas produções tecnológicas.

Uso o termo APODERANDO porque ele é fundamental para compreendermos a passagem de época que estamos vivendo neste momento histórico.

A forma de se fazer e de se produzir política nunca mais será como outrora. A própria ética, ou melhor, a produção de uma nova ética nas sociedades contemporâneas, não se dará porque o homem está ficando mais humanizado e que caminha sempre em direção ao progresso, isto é um mito. Muito pelo contrário. O homem tem atração pela barbárie, e isto observamos a todo momento nos atentados terroristas produzidos por associações ou lobos solitários, que não sabemos bem o que são: loucos, sociopatas, narcisistas, exibicionistas ou qualquer outra designação que possa surgir.

No momento, julho de 2016, vivemos as incertezas a respeito dos atentados terroristas em Nice, que no início parecia ser do tipo lobo solitário, mas as recentes reportagens nos mostram que outros participantes também poderiam estar presentes no dito atentado.

No golpe e contra golpe da Turquia as redes sociais também tiveram o seu protagonismo.

Destaquei como nestes atentados, golpes ou manifestações de rua estão presentes novas formas de atuação política. Uma nova forma de auto-organização hipercomplexa está pulsando no social produzindo acontecimentos que sem a utilização do CIBERESPAÇAO seriam impossíveis.

Assim sendo, esses novos dispositivos que os avanços tecnológicos tornaram possíveis, estão produzindo a inclusão em nosso cotidiano de uma forma muito intensa de circulação da informação em tempo real.

Hoje transitamos por ele diuturnamente. Isto está produzindo a possibilidade de pensarmos novas expressões éticas.  A ética da tolerância entre diferentes povos e culturas precisa ser repensada, pois está contida na palavra tolerância uma arrogância que precisa ser superada por uma convivência maior entre pessoas e povos. Na tolerância fica implícito um distanciamento entre os sujeitos e o outro a ser tolerado. Acredito que precisamos de uma ética da CONVIVÊNCIA, a qual possa produzir uma maior intimidade, uma convivência com o outro enquanto diferença, auteridade e produzir maior aceitação do outro.

Para atingirmos o cerne destas questões os paradoxos, as aporias entre os povos, entre os grupos e as populações necessitam de muitos contatos de diversas ordens: físicas, emocionais, subjetivas,  ou seja, a troca nos mais diversos tipos de convivência são fundamentais e nisto a EDUCAÇÃO ocupa um lugar preponderante e o CIBERESPAÇO com certeza deverá sempre ser incluído, pois ele também é um espaço importante de pertinência na contemporaneidade.

Este momento histórico está produzindo conseqüências nunca antes imaginadas. O Homem não mudou muito os seus valores, a barbárie está diante de nós, porém, estas novas tecnologias na área da comunicação estão permitindo que os rastros das condutas humanas fiquem registrados e produzam provas que antes seriam impossíveis de serem captadas. Hoje, antigos acordos políticos feitos a portas fechadas estão com os dias contados. Toda sorte de gravações e filmagens feitas dentro ou à margem da lei estão vindo à tona e produzem conseqüências que podem ou não ter consistências e isto é uma questão ética importante a ser debatida nos dias de hoje.

Um novo metabolismo dos conteúdos debatidos no social está aparecendo com grande força e vitalidade. As redes sociais, todas elas, incluindo o WhatsApp, que, no momento, no Brasil, está com mais de 100 milhões de participantes, estão catalisando esse universo de mudanças.

Este processo metabólico das redes sociais esta digestão com infinitos ingredientes está produzindo o que chamei em outro texto, escrito em julho de 2013, “Sociedades de matizes: os poliálogos”, uma nova forma de expressão do social que foge completamente a lógica linear de comunicação de massas.

O poliálogo consiste em você colocar uma proposição em uma rede social, uma mensagem, ela é enviada para uma rede de “amigos”, ou somente para um deles. Porém, milhares poderão responder a sua mensagem e o que caracteriza o poliálogo é que todos podem se comunicar entre si. Você, que produziu a mensagem, perde totalmente o controle e o alcance do processo, pois rompe com a linearidade e exponencializa a informação. Chamo de poliálogo a expressão deste rico processo contemporâneo.

As redes de rádio, televisão, a mídia escrita com seus jornais e revistas estão sofrendo uma crise sem precedentes com o aparecimento dos poliálogos nas redes sociais.

Atualmente todos podem participar e interagir em tempo real com uma enorme rede interconectada globalmente por mais que as outras mídias tentem uma interação com suas audiências estas não têm o alcance das redes sociais que são descentradas. Nas outras mídias, sempre há uma central controladora que limita os poliálogos.

No citado texto de 2013, referia-me aos monólogos e diálogos nas produções midiáticas e ao alcance limitado de suas expressões sem o uso do ciberespaço.

O ciberespaço chegou através das redes sociais e estas se exprimem através de poliálogos que são as locomotivas que estão articulando virtualmente as pessoa se colocando-as nas ruas sem um centro organizador ou um líder carismático único e preponderante.

Na política elas estão produzindo mudanças nunca antes imaginadas e o aspecto mais importante a ressaltar é que os políticos tradicionais, acostumados aos conchavos, acordões e aos segredos que os possibilitavam manter os seus poderes não estão até o momento sabendo lidar com os poliálogos.

Com os poliálogos, as distinções de esquerda e direita ficam abaladas, pois uma multiplicidade de assuntos pulsam com uma velocidade imensa nas redes sociais e concomitantemente novas auto-organizações são pulsadas e atualizadas e estas sempre são imprevisíveis, o que aumenta muito a aleatoriedade dos processos.

Estas novas expressões não lineares que se expressam através dos poliálogos fazem com que se trinquem e se quebrem as antigas organizações políticas.

O poliálogo se auto- organizando nas redes sociais gera inúmeras conseqüências, e, dentre elas, a possibilidade de novas éticas serem pulsadas aprendidas e apreendidas em seus movimentos na circulação da informação. Somos todos nós, os matizes, no movimento de participação deste processo de interação no ciberespaço.

Outro aspecto importante é que não existem garantias do que está sendo pulsado e produzido nas redes, esta aleatoriedade do processo faz com que a insegurança dos políticos, e de todos nós, aumente muito e nossa sensibilidade deve ser muito mais desenvolvida do que anteriormente. Muitas incerteza se situações caóticas entram em jogo.

As intensidades destrutivas também ficam muito evidenciadas o que faz com que as atividades terroristas, por exemplo, também possam ser potencializadas pelas redes.

O que sabemos até o momento é que uma nova era está surgindo, não habitamos mais as sociedades das massas orquestradas por líderes carismáticos, e sim as sociedades de matizes, em que todos participam e que o grande espanto é que não sabemos qual paisagem será formada na somatória desses matizes.

Alcimar Alves de Souza Lima Psicanalista e psiquiatra, Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Autor dos livros: Pulsões: Uma orquestração psicanalítica entre o corpo e o objeto – Ed. Vozes – 1996, Acontecimento e linguagem – ensaios de psicanálise e complexidade – Casa do Psicólogo - 2012, Casa das coisas – J.A. Cursino Editores e Escola como desejo e movimento – Cortez Editora –2015 em parceria com Esméria Rovai.

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