Release do livro - A psicanálise e os lestes - vol. 1

No dia 3 de março aconteceu um evento inédito, Questões Sociais e Políticas na História da Psicanálise ontem e hoje, organizado pelo Departamento de Psicanálise do Sedes Sapientiae, em que foram apresentados aspectos da obra de autores que ficaram à margem ou foram expurgados da história oficial da Psicanálise por refletirem posiçoes sociais e políticas que se opunham ao status quo de suas épocas. Otto Gross, Sabina Spielrein, Frantz Fanon e Erich Fromm puderam retornar e impressionar pela sua atualidade. Na ocasião foi lançado o livro A psicanálise e os lestes (vol.1) organizado por Paulo Sérgio de Souza Junior que participou do evento. 
    


Confira agora o release do livro escrito pelo organizador:

A psicanálise e os lestes - vol. 1
Editora Annablume (2017) – 217 pág.
Organizador: Paulo Sérgio de Souza Jr.
Prefácio: Paulo Schiller


A psicanálise e os lestes - vol. 1 é o volume inaugural de um projeto que tem como objetivo colocar em circulação, no Brasil, reflexões de autores de diversos países e orientações que escrevem sobre as suas clínicas, bem como sobre a transmissão e as variadas inscrições da psicanálise em diferentes contextos linguísticos, geográficos, políticos e culturais. A partir da escrita e da recolha dos efeitos da comunicação “O analista e os bárbaros” (2014) — escrita pelo organizador, apresentada em colóquio promovido pela Association de Psychanalyse Encore e presente neste volume —, surgiu a iniciativa deste projeto, dado o reconhecimento de certa carência, na literatura psicanalítica em português, de trabalhos oriundos de regiões nas quais, muitas vezes, ou o brasileiro desconhece haver uma produção local rica no campo da psicanálise, como um todo; ou conhecem-se apenas alguns nomes tidos como importantes sem que, no entanto, haja efetivo acesso sequer aos trabalhos por eles realizados. Com isso, acaba-se muitas vezes restringindo-se a leituras, para além de traduções realizadas de idiomas canônicos, apenas de originais escritos em francês, inglês e espanhol (idiomas mais comumente acessíveis aos leitores da área no país); trabalhos escritos em idiomas menos próximos, por sua vez, restando infelizmente um tanto quanto desconhecidos.

Os textos versam, dentre outros temas, sobre: a tradução da psicanálise para línguas tidas como periféricas; a história da psicanálise em países do Terceiro-Mundo; a relação entre a clínica psicanalítica e o contexto político, econômico e religioso de países pouco presentes no repertório do leitor de psicanálise brasileiro; a clínica com imigrantes e o papel dos idiomas no exercício da psicanálise; as incidências da psicanálise em áreas afins, bem como de áreas afins na psicanálise.  As traduções são sempre diretas dos originais em que foram escritos os capítulos e são acompanhadas de um rico conjunto de notas de tradução e edição — no vol. 1, além do organizador, participaram como tradutores: Claudia Berliner (psicanalista, tradutora e cientista social) e Renata Dias Mundt (tradutora e professora de língua alemã para refugiados).

Neste primeiro volume, que se abre com uma apresentação escrita pelo organizador — aventando a pluralização presente no título (lestes), e seu possível interesse para a psicanálise —, Paulo Schiller (psicanalista e tradutor do húngaro, do inglês e do francês) apresenta, em seu prefácio, uma reflexão que convida o leitor a problematizar a dicotomia Leste/Oeste, colocando em cena a Hungria da Europa Central e as movências possíveis em conceitos supostamente estanques como “Oriente”, “Ocidente” e “língua materna”.

Em “A possibilidade de uma psicanálise lacaniana em língua árabe”, Zoubida Bessaih | زوابيدة بسايح (psicanalista argelina que clinica na cidade de Argel) indaga-se a respeito da prática psicanalítica de orientação lacaniana em meio à espécie de “diglossia interna” vivida pelos povos árabes, em geral (entre o árabe clássico e o dialetal), assim como diante das especificidades linguísticas do árabe falado na Argélia.

Em “O intraduzível entre os ecos cálidos e mortíferos de uma mesma língua”, Janine Altounian | ժանին ալթունյանը (ensaísta e tradutora, membro da equipe coordenada por Jean Laplanche para a tradução das obras completas de S. Freud para o francês) procura elaborar sua entrada na psicanálise através do texto freudiano, articulando aí a sua herança armênia e o seu ofício de tradutora, após a primeira visita que realizou à Turquia — terra de onde haviam fugido seus pais, quando do genocídio de 1915.

Em “Psicanálise na Rússia”, Renata Udler Cromberg (psicanalista, membro do Depto. de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae) apresenta uma leitura do percurso histórico da psicanálise na Rússia, desde os primórdios até o final da União Soviética. A partir de sua pesquisa sobre a obra de Sabina Spielrein (de cuja obra completa é responsável pela organização e publicação em português brasileiro), a autora desdobra o papel singular da psicanálise ao longo do Regime, elaborando um texto rico e detalhado que perpassa diversos autores, instituições e épocas do país.

Em “Sobre a palestra do Dr. Skalkovsky” — um dos últimos textos de psicanálise publicados da URSS antes da condenação do freudismo, em 1931, e o único texto concebido pela autora em sua língua materna, o russo —, Sabina Spielrein | Сабина Шпильрейн [1885-1942] (uma das pioneiras da psicanálise; membro didata e do corpo diretivo da Sociedade Psicanalítica Russa) relata a conferência do referido médico, entremeando seus pareceres a respeito do que é ali tratado e suas experiências tanto com a doutrina freudiana, em geral, quanto com o atendimento psicanalítico em contexto ambulatorial, em específico.
Em “De língua a língua na linguagem e, então, à assunção da fala”, Katerina Malichin | Κατερίνα Μαλίχιν (teóloga, psicóloga clínica e psicanalista em Elliniko [Grécia]; membro da Associação Psicanalítica ateniense “Freud-Lacan”) narra sua experiência com o atendimento de imigrantes, tanto em consultório particular quanto fora, quando muitas vezes é necessário o auxílio de intérpretes — em missões junto aos Médicos do Mundo, por exemplo, em barcos de transporte de refugiados, bem como noutras situações de “clínica dos extremos”.

Por fim, em “Alucinando o outro: fantasias derridianas sobre a escrita chinesa”, Chang Han-Liang | 张汉良 (professor emérito de literatura comparada da Universidade Nacional de Taiwan, catedrático da Universidade de Fudan [Shangai] e membro honorário do Círculo Linguístico de Praga) propõe uma leitura das oscilações, ao longo da história, a respeito do estatuto da língua chinesa nas teorizações realizadas por estrangeiros (Descartes, Leibniz, Hegel, Fenollosa, Eisenstein, Derrida); questiona, assim, as visadas orientalistas em relação à realidade linguística na China e aos seus possíveis desdobramentos.

Paulo Sérgio de Souza Jr. é psicanalista, linguista e tradutor. Bacharel e doutor em linguística pelo IEL/Unicamp, pós-doutoramento no  Depto. de Ciência da Literatura da UFRJ. Selecionado pelo Grupo Coimbra (Bélgica, 2009), atuou como professor-associado junto ao Depto. de Língua Romena e Linguística Geral da Universidade Alexandru Ioan Cuza – UAIC (Iași). Em 2013, pelo programa “Univers”, foi tradutor residente do Instituto Cultural Romeno – ICR (Bucareste). Organizou o volume Psicanálise e mal-estar na Universidade (Mercado de Letras, 2013; coorg. N. Leite e E. Gasparini) e é responsável pelas traduções e notas de, entre outros: O amor da língua, de J.-C. Milner (Ed. da Unicamp, 2012); A psicanálise é um exercício espiritual?, de J. Allouch (Ed. da Unicamp, 2014, cotrad. M. R. S. Moraes); Os olhos da alma, de J.-C. Rolland (Blucher, 2016); O autista e a sua voz, de J.-C. Maleval (Blucher, 2017); A incompletude do simbólico (Ed. da Unicamp [no prelo]). Organizou, com M. Checchia e R. Alves Lima, e traduziu o primeiro volume da edição brasileira das obras de Otto Gross (Editora Annablume, 2017): Por uma psicanálise revolucionária.

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