Em tempos de pandemia, uma pauta para o Dia Mundial da Saúde
Nessa
semana apresentamos o texto de nossa colega psicanalista Maria Laurinda Ribeiro de Souza, que trata da importância dos laços
que unem solidariedade e trabalho. Tema que norteou o evento realizado no Sesc
Vila Mariana numa parceria inédita com o
Instituto Sedes. Boa leitura!
EM TEMPOS DE PANDEMIA, UMA PAUTA PARA O DIA MUNDIAL DA SAÚDE
Para
celebrar o Dia Mundial da Saúde que aconteceu no dia 7/4, formalizou-se uma
parceria entre o Instituto Sedes Sapientiae e o SESC Vila Mariana. Um grupo de
analistas que fazem parte do Grupo de Trabalho: Saúde, Trabalho e Direitos
Humanos (GTSTDH) e do Departamento de Psicanálise (Cleide Monteiro, Eliana
Pintor, Eva Wongtschowski, M. Laurinda R. Sousa e Pedro Mascarenhas), junto com
a equipe do SESC responsável pelo projeto Inspirar - ações para uma vida
saudável, elaboraram uma programação que se estendeu do dia 7 a 18 de abril.
Quero
destacar, logo de início, como dado significativo deste evento, a importância
da parceria entre essas duas instituições neste momento de tanto isolamento e
tanta precarização. A solidariedade que
estabelecemos durante a organização desta programação nos permitiu formar um
coletivo de trabalho e de análise dos temas que nos propusemos a discutir de
forma criativa e prazerosa.
As
atividades tiveram início com uma série de chamadas pela internet e pequenos
vídeos apresentando a proposta do evento. Perguntas como: “Que história você
contaria sobre seu trabalho?”, “Apoiar e ser apoiado, é frequente no seu
trabalho?”, “Deus fez o mundo em 6 dias, no sétimo, descansou. A gente vive
querendo ser mais do que Ele?”, “Como o trabalho contribui para sua Saúde
Mental?”, “O que te provoca satisfação no trabalho?”, “Como é a participação de
seus colegas?” “Que tipo de reconhecimento você deseja?” “O que está
acontecendo no seu trabalho hoje?” “Houve mudanças no seu trabalho, este ano?”
“O trabalho não desenrola? Dê uma volta a pé e veja o que rola”, “Confiar
desconfiando ou confiar de verdade?”, “Trabalho não é só produzir objetos,
mercadorias, metas; é produzir-se a si mesmo”, além de sugestões de filmes e
músicas pertinentes ao mundo do trabalho, funcionaram como mote e preparativos
para as mesas de discussão que aconteceram nos dias 7 e 16/4 e para o
Psicodrama Coletivo, realizado no dia 9/4.
No
dia 7/4 o tema da mesa era, também, uma pergunta que, esperávamos, pudesse ser respondida à medida que o evento
se desenvolvia: “Vivemos para trabalhar ou trabalhamos para viver? O valor do
trabalho e da vida”.
O
Psicodrama coletivo, coordenado por Pedro Mascarenhas com a participação de
Rosane Rodrigues e Blevio Zanon, como ego-auxiliares, teve como tema: “Cenas do
trabalho e da vida hoje, no Brasil”. No dia 16/4 lançamos um desafio para o
século XXI: “Como potencializar a saúde mental no ambiente de trabalho?”.
Parece
estranho anunciar o Dia Mundial da Saúde e discorrer sobre um evento que teve
como eixo o mundo do Trabalho? Não tanto se relembrarmos a proposta da OMS
(Organização Mundial da Saúde) para este ano: a construção de um mundo mais
saudável e mais justo e, também, se considerarmos seu alerta, desde o ano
anterior, para os efeitos psíquicos decorrentes da pandemia e pudermos
reconhecer o quanto a saúde e o trabalho (como condição de garantia da sobrevivência
e de reconhecimento no laço social) estão imbricados. E, ainda, o quanto estes
dois Direitos Fundamentais (além da Educação, Moradia, Seguridade Social) estão
constantemente sendo violados e, desta forma, denunciando as injustiças e
desigualdades de nossa realidade.
Cabe
relembrar, também, a nota enunciada por Freud, em 1930, no “Mal-estar na
cultura”: Nenhuma outra técnica de condução da vida liga o indivíduo tão
fortemente à realidade como a insistência no trabalho, que ao menos o inclui de
forma segura num fragmento da realidade, na comunidade humana.
Ora,
a catástrofe que atingiu o mundo desde o início do ano passado alterou de forma
significativa as condições do trabalho e da vida. No Brasil, o negacionismo
praticado por nosso desgoverno, a falta de coordenação sanitária e da política
do país, o retorno ao Mapa da Fome (do qual havia saído em 2014) acentuaram as
precarizações que já vinham ocorrendo e o impedimento, para a maior parte de
nossa população, de acesso ao Direito Fundamental que está na base de todos os
outros: o direito a uma vida digna.
O
desafio a que este evento nos convocou foi o de olhar mais profundamente para a
realidade que nos assola – já nos aproximamos de 500.000 mortos - e abrir
espaços para uma fala coletiva, uma fala de troca, de solidariedade e de
hospitalidade às diferenças. (Só assim podemos vislumbrar perspectivas para um
novo futuro).
Foi
com esse desejo que propus, ao final de uma das apresentações, a construção de
um currículo utópico. Ela surgiu ao escutar a fala de um jovem desempregado (já
são cerca de 15 milhões) que não tinha acesso à internet e se via impedido de
frequentar a escola e até de enviar um currículo a um possível lugar de
trabalho. É uma das tentativas de resposta à pergunta inicial: vivemos para
trabalhar ou trabalhamos para viver? Eu diria que sim, trabalhamos para viver, mas
temos que reconhecer que a vida nos demanda um trabalho constante, esforço, luta
pela justiça social e muita criatividade.
Para
escrever um currículo utópico, o que é preciso?
Nada
é preciso. Faça por gosto, por prazer; como se fosse escrever a um amigo. Um
amigo à espera de suas palavras.
Diga
das paisagens que encontrou. Dos lugares que conheceu. Dos encontros que teve.
Escreva como se falasse consigo. Fale de seus sonhos, de suas viagens; das que
fez, das que imaginou, das que fará.
Fale
das coisas que aconteceram e não eram para acontecer; do que era para ter sido
e não foi.
Das
injustiças que viu, das dores que partilhou. Dos que tinham direito de viver e
partiram.
Acrescente
uma foto do mundo onde caiba o latido dos cães, o miar dos gatos, o canto dos
pássaros, o som da água nas corredeiras, o farfalhar do vento nas florestas.
Tudo
isso falará de você e será o seu currículo.
Coloque-o
no correio endereçado a “todos que queiram habitar o mundo de uma outra forma”.
Você
poderá escutar como retorno, quem sabe, a diversidade dos dialetos e cantos
humanos.
(Este
currículo é uma licença poética feita a partir da leitura do poema de Wislawa
Szymborska: “Escrevendo um currículo” https://singularidadepoetica.art)
As falas da mesa do dia 7 - “Vivemos para trabalhar ou trabalhamos para viver? O valor do trabalho e da vida”, podem ser acompanhadas pelo YouTube no Portal do SESC Vila Mariana.
M. Laurinda R. Sousa é psicanalista e escritora, membro e professora do Departamento de Psicanálise do Sedes Sapientiae.
um bálsamo este trabalho e o relato sobre ele!
ResponderExcluirPArabéns às colegas!
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