F A Z F A L T A

Hoje tem crônica no Blog! Confiram o texto de Anna Helena Cury Haddad.

F A Z   F A L T A

Gosto, gosto do sol batendo no meu rosto, o contraste do frio com o quente, do doce com o amargo, bombons embrulhados em papel colorido. Ah se me chamasse Raimundo, um mundo tão vasto que eu hoje habito, entre quatro paredes. Saio devagar, devagarinho, não tenho para onde ir, Nova Iorque não existe mais e Jaques está dentro do meu notebook. "Logo hoje Mel? Não vê que estou ocupado? Amanhã me ocupo de ti". Então desenho um sol, o sol que não esquenta, que não bate em mim, aliás não bate em ninguém, cão que ladra não morde. Joga fora. Troca por outro. Troca o mundo por um grão de arroz, nele posso gravar o meu nome e pendurar no pescoço. Levanto-me às 10 para trabalhar, na real, sem culpa, preciso descontar as horas que passei contando carneirinhos. Abro meu computador e conto quantas pessoas cabem. Uma, duas, três… sabia que as posições aparecem trocadas? Penso que estou no topo, mas estou na página seguinte. E ainda deixei o amor do lado de fora. Ah, se eu fosse um ator de teatro, ou uma atriz, tanto faz, giraria minha varinha e faria surgir corações coloridos, como aqueles que aparecem nas lives. Vou lançar um carretel, fechar os olhos e contar até três. Dia desses perdi um que correu pela varanda, foi e não voltou. Acontece. Agora boa noite, tenho pressa, talvez os sonhos me escutem, talvez toquem uma valsa vienense. Resolvi me libertar, trocar a valsa por um Gin Tônica. Quem vai pagar? Não tenho a menor ideia, também não estou nem um pouco interessada. Mais vale um boi andando do que três vacas loucas. Vixe, esqueci que ainda preciso crescer um pouco. Espero que ninguém tenha percebido. Que horas são? Devo estar muito atrasada. Será que já está na hora do chá? Mundo, mundo vasto mundo, e eu aqui à toa. Com quantos paus se faz uma canoa? Olha só, rimou. Você aí à minha esquerda, sabe? Podemos trocar conhecimento. Tu me ensina a escanear um texto que eu te ensino a baixar o WhatsApp no computador. Faz falta.

Anna Helena Cury Haddad é psicóloga e psicanalista, mestre em psicologia da saúde e aspirante a membro do Departamento de Psicanálise do Sedes Sapientiae.

Comentários

  1. Achei uma delícia de ler, Anna!
    Obrigada por nos oferecer um texto inteligente e lúdico sobre esse confinamento interminável.

    ResponderExcluir
  2. Muito bem escrito! Adorei! Parabéns, Anna!!

    ResponderExcluir
  3. amei Anna! delícia de texto, potente!

    ResponderExcluir
  4. Se você se chamasse Raimundo, correria o mundo? Acabou de correr, Anna, no deslizar das palavras. Gostei! bjos

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Gaza como Metáfora

Destraumatizar: pela paz, contra o terror

‘Onde estava o Isso, o Eu deve advir’: caminhos da clínica contemporânea por René Roussillon