55 anos depois, Cantando na praça: FORA

Seguindo fiel a máxima de “quem canta seus males espanta”, o Blog traz esse texto-grito de Maria Laurinda Ribeiro de Souza, para engrossar o coro e espantar o ogro. Bom fim de semana a todos.

55 ANOS DEPOIS, CANTANDO NA PRAÇA: FORA

Chico Buarque lançou em 1966 seu primeiro disco e considerou a canção Tem mais samba como o marco inicial de sua carreira. Os acontecimentos daquele período (a música foi composta em 1964) podem ser vislumbrados na letra feita por encomenda para o musical Balanço de Orfeu que estrearia no Teatro Maria Della Costa, em dezembro de 1964, em São Paulo. O show propunha um diálogo conflitante (contraposição) entre a Bossa Nova e a nascente Jovem Guarda.

O conflito político da realidade brasileira era de outra ordem;  estava marcado pela violência do golpe de março de 64 e pelos ataques aos que defendiam a democracia e os direitos humanos,  revelando-se a crueldade da ditadura que se instalou em nosso país.         

Assassinatos, torturas, perseguições, mentiras, exílios, desaparecimento de corpos marcaram a memória dos que viveram e sofreram esse período. Ditadura nunca mais, tornou-se um grito novamente presente nestes tempos de desgoverno e morticídio.

Cinquenta e cinco anos depois de sua gravação, é preciso que haja mais samba na rua do que no silêncio apático das casas.  Foi com esse desejo que me permiti convocar-transformar a canção de Chico.

55 anos depois...

 

Tem mais samba

Na rua

Que na espera

 

Tem mais samba

No homem que chora

Que no riso da ironia

 

Tem mais samba

Na dor da despedida

Do que no que nega o sofrer

 

Tem mais samba

No risco do grito

Que no vazio do cochilo

 

Que o bom grito

Não tem lugar nem hora

Soando na praça: FORA

Samba sem querer

 

Tem mais samba

No pranto de quem vê

Que nos fakes da TV

 

Tem mais samba

No bate-panelas

Que no abuso do poder

 

Tem mais samba

Nos pés da passeata

Que nas rodas da motociata

 

Tem mais samba

Na crença da ciência

Do que ao mito a anuência

 

Que o bom samba

Não tem lugar nem hora

Soando na praça: FORA

Samba sem querer

 

Tem mais samba

Nas mãos que acolhem

Que no desprezo da vida

 

Tem mais samba...

Tantos anos depois

Tantas vidas perdidas

 

Se todo mundo gritasse

Seria mais fácil viver.

 

Que o bom grito

Não tem lugar nem hora

Soando na praça: FORA

Samba sem querer

 

M. Laurinda R. Sousa é psicanalista e escritora. É membro do Departamento de psicanálise, e colunista do Blog do Departamento.

Comentários

  1. Querida Laurinda,obrigada por esse texto comovente. Grande abraço.

    ResponderExcluir
  2. Lau :voce sambando sem querer para comover !

    ResponderExcluir
  3. que bom que hoje o samba saiu procurando você, laurinda!

    ResponderExcluir
  4. Lau querida, que bom ouvir esse seu samba. Alento como já foi um dia, naqueles dias sombrios em que andávamos em meio de brucutus e cavalos. Obrigada

    ResponderExcluir
  5. Eu, Eliane Cordeiro, que comentei acima.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Gaza como Metáfora

Destraumatizar: pela paz, contra o terror

‘Onde estava o Isso, o Eu deve advir’: caminhos da clínica contemporânea por René Roussillon