ENTRE OS FIOS DA HISTÓRIA E DA ESCRITA: o Índice Temático da Revista Percurso
Nossa
colega Flávia Ripoli Martins nos
conta sobre a organização do Índice Temático da Revista Percurso e
sua contribuição junto à nova edição do Índice, que contempla os
números 51 a 65 da revista do Departamento.
ENTRE OS FIOS DA
HISTÓRIA E DA ESCRITA: o Índice Temático da Revista Percurso
Flávia Ripoli
Martins
Com esse objetivo, em 1992, Renato Mezan
organizou e publicou a primeira edição do Índice Temático1
e, desde então, este vêm sendo sucessivamente ampliado. O trabalho de
indexação é feito manualmente e cada artigo, resenha, debate, debate clínico ou
entrevista publicado em Percurso é incluído em algumas rubricas – entre
3 e 8 – de acordo com os temas abordados. Após a recente finalização do último
bloco de revistas indexadas, que cobre os números 51 até 65, o Índice
Temático encontra-se agora atualizado e integralmente disponível online, no
site da Revista Percurso2. Desde a última versão3,
a lista de verbetes foi ampliada para se adequar aos temas que recentemente ganharam
relevância nas publicações e soma agora 128 rubricas, distribuídas entre nove
eixos temáticos4.
Apesar da nova edição do Índice
contemplar os números 51 a 65, curiosamente, o volume 52 –
edição temática dedicada a refletir sobre as repercussões da ditadura
civil-militar de 1964 nas subjetividades brasileiras –, foi o primeiro
indexado. Composto por 27 trabalhos, a leitura desse número nos possibilita destacar
três pontos centrais que, como o novelo que Ariadne entregou a Teseu, nos permitem
seguir um caminho no labirinto de temas abordados pelas quinze edições
catalogadas – cabe enfatizar, a indexação somou um total de 1354 entradas e
esta análise qualitativa não pretende esgotar os dados extraídos do material. Sumariamente,
esses pontos objetivam: discutir contribuições da prática psicanalítica diante
das experiências de terror, violência, trauma, crueldade e barbárie; refletir
sobre estes temas do ponto de vista teórico; e pensar as intersecções entre psicanálise
e política, particularmente no que se refere à prática de uma psicanálise
brasileira.
A respeito do primeiro ponto mencionado
acima, faz-se necessário enfatizar que os trabalhos publicados em Percurso possuem
uma ênfase predominantemente clínica, priorizando explorar os mecanismos
próprios do trabalho analítico, nos diversos espaços onde os psicanalistas
estão inseridos. Este dado é evidenciado pelo fato de que o eixo “Questões
clínicas e processo analítico” é o mais volumoso do Índice e neste
figuram também as duas com maior número de entradas. A primeira, “Relatos
Clínicos” revela que 65 artigos, ou 1 em cada 5 (20%), contêm materiais
provenientes da prática da psicanálise. Em consonância com esse dado, o verbete
“Funcionamento do psicanalista” é o segundo com maior número de entradas (59 – 19%)
e a rubrica “Processo psicanalítico” também possui um número significativo de
menções (39 – 12%). Além disso, cabe reiterar que o eixo “Metapsicologia e
funcionamento mental” – que contempla o maior número de rubricas (43) – é o
segundo com maior número de entradas (311) e entre estas, as maiores rubricas
são as que privilegiam os aspectos dinâmico/econômico, mais próximas do
trabalho psicanalítico.
A partir do Índice, constata-se
que grande parte das publicações citadas nos eixos clínico e metapsicológicos,
se dedicam também a questões sociais e suas repercussões nas subjetividades e
na prática psicanalítica. As 11 rubricas que compõem o eixo “Psicanálise e sociedade”
foram mencionadas 194 vezes, ou seja, 1 em cada 2 artigos faz referência aos
verbetes que objetivam pensar as relações entre Psicanálise, cultura
contemporânea, política e violência. Este é também o eixo com maior número de
novos verbetes incluídos (5), sendo estes: “Psicanálise e gênero”, “Psicanálise
e relações raciais”, “Psicanálise e migração”, “Deficiência, pessoas com” e
“Psicanálise e pandemia de COVID-19”.
A crescente relevância conferida a esses
temas nas publicações de Percurso pode ser atribuída ao resultado de
décadas de luta dos movimentos negro, decolonial, feminista e LGBTQIA+, que nas
ruas e nos divãs se fazem ouvir pelos analistas e os convocam a fazer a teoria
trabalhar. Mas, para além disso, a relevância do eixo “Psicanálise e sociedade”,
somada à constatação de que 13% dos trabalhos publicados estão incluídos no
verbete “Psicanálise no Brasil” (40 entradas), destaca a ênfase dada pelas
publicações de Percurso à uma psicanálise que, como discute Miriam Chnaiderman
(1998, p. 28), “é sempre atravessada pela história, pelo contexto em que
ela acontece” e “é também uma prática social”.
E os fios da história do Brasil se entrelaçam
nas publicações de Percurso ao longo dos últimos nove anos. História
marcada por três séculos de escravização, pela desigualdade social e a
violência contra a população preta e periférica, o golpe-civil militar de 1964,
as políticas reacionárias decorrentes do golpe de 2016, o temor causado pelas
eleições de 2018, os retrocessos provocados pelo atual governo e os efeitos
traumáticos da pandemia de COVID-19.
Em Percurso, escrever sobre esses
eventos não é equivalente a relatá-los. Como podemos observar nos trabalhos
dedicados, por exemplo, à Clínica do Testemunho e a apresentação das rodas de
conversa do Coletivo Escuta Sedes, assim como na entrevista realizada com o
Instituto AMMA Psique e Negritude5 e em grande parte das publicações
figuram no número 64 – o primeiro publicado após o início da pandemia de
COVID-19 –, a prática e a escrita psicanalítica não são a-históricas e
apolíticas e, na sua dimensão ética, devem estar vinculada à luta pelos
direitos humanos e pela democracia.
Escrever sobre os eventos históricos e seus efeitos subjetivos é, portanto, uma
forma de registrá-los, não permitindo que a violência, o trauma e a barbárie sejam
esquecidos ou silenciados e possibilitando a criação de formas coletivas de
intervenção.
No artigo A inquietação das palavras6, Pontalis (1991, p. 129-130) se pergunta o que faz o psicanalista trocar o divã pela escrivaninha e ao comparar o trabalho do sonho, do luto e da escrita, afirma que “escrever é também sonhar, é também estar de luto, sonhar-se (e sonhar o mundo, para os maiores), ser animado de um desejo louco de posse das coisas pela linguagem e ter a cada página, a cada palavra, a prova de que nunca se obtém exatamente o resultado que se quer”. Penso que, talvez, a matéria-prima da tessitura de fios das diferentes escritas que compõem os artigos de Percurso seja a aposta de que escrever é uma forma de transformar a teoria e o mundo que habitamos. Escrever possibilita o estabelecimento e manutenção de laços que nos mantêm em movimento, em tempos em que tudo parece nos convidar a paralisar. Escrever é sustentar a aposta na palavra e a busca incessante por formas de resistência. Escrever é também sonhar e precisamos continuar escrevendo para, assim, também podermos continuar sonhando a transformação.
Flávia
Ripoli Martins
é organizadora do Índice Temático da Revista Percurso, aluna do
Curso de Psicanálise do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes
Sapientiae, psicóloga e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP.
Notas:
1A primeira
edição do Índice Temático está disponível no Boletim do Departamento
publicado em dezembro de 1992.
2O Índice
Temático atualizado encontra-se disponível em: http://revistapercurso.uol.com.br/index.php?apg=ind_tematico
3 A última versão
do Índice Temático, que contempla até o número 49/50, foi
organizada por Berta Hoffmann Azevedo.
4 Uma explicação
detalhada sobre a composição dos eixos temáticos pode ser encontrada na segunda
edição do Índice Temático, disponível no Boletim do Departamento
publicado em dezembro de 1994. Com relação a essa versão, foi feita apenas uma
modificação. Em razão da ênfase dada às questões sociais nas últimas quinze
edições, o eixo “Psicanálise e sociedade” foi criado, o que implicou em uma
redistribuição das rubricas que compunham o eixo “Psicanálise aplicada”.
5 Os artigos
mencionados nesse ponto encontram-se incluídos nas referências bibliográficas.
6 Agradeço à
professora Paula Francisquetti pela gentileza de encaminhar o texto de
Pontalis, apresentado por ela no Seminário “O inconsciente freudiano. Paradigma
metapsicológicos do sonho”, do primeiro ano do Curso de Psicanálise.
Referências bibliográficas:
Chaui-Berlinck,
L.; Mannrich, L. G.; Vicente, M. F.; Ganhito, N. C. P.; Menezes, S. L. Rodas de
conversa do coletivo Escuta Sedes: um espaço entre as ruas e o divã. Percurso,
65 (2), 2020.
Chnaiderman, M. Existe uma
psicanálise brasileira?. Percurso, 20 (2), 1998.
Editorial. Percurso, 1,
1988.
Ocariz, M. C.; Rudge, A. M.;
Sciulli, M. C. G.; Pereira, M. L. I. E.; Navarro, N. C. O trauma, a palavra e a
memória na Clínica do Testemunho Instituto Sedes Sapientiae. Percurso,
52 (1), 2014.
Pontalis, J. B. A força da
atração. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.
Silva, M. L.; Martins, M. S.;
Faustino, D. M. Racismo: por uma psicanálise atenta. Percurso, 63 (2),
2019.
Vannuchi, M. B. C. C. Afinal, o que faz um psicanalista na Clínica do Testemunho?. Percurso, 52 (1), 2014.
Flavia
ResponderExcluirParabens pelo trabalho intenso e minucioso .
Iniciado por Berta Hoffman , voce continua a tradição percursiana de paixão pelas palavras ,seus,sentidos e sua polifonia
na composição dos textos , nos quais deve ter mergulhado !!
ABraço grato : seu trabalho vai facilitar nossas consultas e torná-las mais acessiveis .
MANIA DEWEIK