O Blog do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes é um dos veículos de comunicação em que circulam informações, produção de conhecimento, experiências clínicas e de pesquisa de seus diferentes membros. A interlocução com o público, dentro e fora do Departamento, é uma maneira de disseminar a troca no campo da Psicanálise e possibilitar a ampliação do alcance das reflexões em pauta. Equipe do Blog: Fernanda Borges, Gisela Haddad, Gisele Senne de Moraes, Lucas R. Arruda e Paula Lima Freire.

quarta-feira, 11 de maio de 2022

Porque hoje é 28 de abril

A colunista do Blog, Maria Laurinda, faz uma leitura encarnada destes tempos sombrios, e incita-nos a colocar em ato uma nova utopia, o resgate de nosso país. Uma leitura necessária. Confiram.

PORQUE HOJE É 28 DE ABRIL

Dia Nacional em memória das vítimas de acidentes e doenças do trabalho, é necessário falar sobre as condições do trabalho, do desemprego, da fome e da orfandade. 

É necessário, também, colocar em ato uma nova utopia.

No Brasil, a cada 50 segundos há uma notificação de acidente de trabalho. Na última década foram registrados 33.568 óbitos decorrentes de acidentes de trabalho; muitos deles, assim como as mortes por COVID, poderiam ter sido evitados.

A taxa de desemprego no país é a 4ª. maior entre as principais economias do mundo; mais que o dobro da taxa média global.

Há um número crescente de pessoas em situação de desalento e, mesmo as que estão em vínculo formal, são submetidas a exigências abusivas de desempenho. Efeitos da precarização, uberização e plataformização do mundo do trabalho.

Meritocracia, empreendedorismo, competitividade, presenteísmo, são termos que precisam, sempre, ser acompanhados de uma análise crítica e reconhecidos seus efeitos na saúde física e mental.

Temos consciência todos do aumento absurdo dos moradores de rua; basta não fechar os olhos para as tendas, farrapos e arremedo de colchões espalhados pelas ruas, pelas praças. A maioria dessa população sem teto, sem trabalho é preta ou parda.

Cerca de 19 milhões de pessoas passam fome no país.  Mais da metade da população vive situação de insegurança alimentar, sendo as crianças as maiores vítimas dessa tragédia.

Temos hoje muitas crianças, pequenos vendedores ambulantes, esgueirando-se entre os vãos das fileiras de carros; no meio das ruas. Meninos desamparados; órfãos de futuro. Crescem como outros, iguais a eles, assumindo os riscos de uma infância abortada.

Temos hoje mais de 300.000 crianças e adolescentes órfãos da covid e muitos em situações precárias. O Brasil ocupa o terceiro lugar nesse índice, atrás apenas do México (o de maior índice) e dos EUA.

Em entrevista recente, Christian Laval, professor de Sociologia da Université Paris Nanterre, coloca uma lente sobre o que vivemos neste momento: “o novo é a manifestação cada vez mais aberta e assumida do caráter violento e autoritário do neoliberalismo em qualquer uma de suas variantes históricas e nacionais. O que vemos agora, em plena luz, é uma nova guerra civil mundial. Uma guerra social, porque busca enfraquecer os direitos sociais da população; étnica porque pretende excluir os estrangeiros; política e jurídica, utilizando novos meios de repressão e de criminalização da esquerda e dos movimentos sociais; cultural e moral ao atacar os direitos individuais e as evoluções culturais das sociedades”.

Sim, essa é uma análise importante sobre o mal-estar do nosso tempo, mas a despeito desse difícil momento, é preciso reconhecer a força da resistência; as vozes que se organizam em coletivos de solidariedade, de denúncia, de ocupação das ruas. 

A sabedoria popular nos diz que uma andorinha só não faz verão. Mas juntas, podem fazer uma revolução.

João Cabral de Melo Neto, poetizou: “Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele o lance a outro...para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos”.

Meu grito, que vai convidando outros, lança os seguintes desejos:

Que possamos resgatar a alegria e sabedoria dos foliões do carnaval, reconhecendo e denunciando as mazelas de nossa história atual;

Que possamos resgatar a força dos coletivos e dos laços sociais;

Que o Estado da força, das armas, se transforme num Estado que possibilite a garantia dos Direitos Fundamentais para todos: educação, moradia, trabalho, seguridade social, arte e literatura;

Que, ao lado dos povos indígenas, nos tornemos guardiões de seus territórios, da floresta e da vida;

Que todos juntos possamos mudar o rumo do país nas eleições deste ano;

Que lotemos os cinemas para assistir “Medida Provisória”, filme dirigido por Lázaro Ramos.


M. Laurinda R. Sousa é membro do Departamento de psicanálise, psicanalista e escritora. É colunista do Blog do Departamento


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