O Congresso da FLAPPSIP e uma conversa com Silvia Alonso

O Blog do Departamento publica uma entrevista importante de Silvia Alonso sobre a parceria entre o Departamento de Psicanálise e a Flappsip. Confiram. 


O CONGRESSO DA FLAPPSIP E UMA CONVERSA COM SILVIA ALONSO

Lucas Ribeiro Arruda


Em tempos de excessos e transbordamentos, muitas vezes nos encontramos nas fronteiras dos acontecimentos. Mas será através das bordas que se adivinha o centro? Como traçar estas "linhas tortas" na esperança de uma organização central? Por isso a imagem do compasso muitas vezes nos vem, onde primeiro se estabelece um centro, e depois pode se traçar sua circunferência, aliás, perfeita. Mas o círculo nunca se dá de forma perfeita, e saindo da linguagem geométrica entramos no campo das dialéticas, movimentos, construções, entre centros, bordas e abismos.

O esforço da comunidade psicanalítica seria poder construir um centro? A dissolução do "compasso" psicanalítico, representada algumas vezes por alguns elementos, como Pasternak, ou mesmo como rixas internas à própria psicanálise, nos remete a uma questão referente ao central do psicanalítico. Como os integrantes de diferentes comunidades, ou seja, de diferentes filiações, podem entrar em uma possível troca, interlocução e consenso?

Foi muito fortuito entrar em contato com o que vem sendo a FLAPPSIP (Federação Latino-americana de Associações de Psicoterapia Psicanalítica e Psicanálise), que a cada dois anos, realiza um colóquio em um ano e no ano seguinte um congresso. A Sede varia pelos países latino-americanos, Chile, Uruguai, Argentina, Brasil e Peru. O Sedes mantém, ainda com a possibilidade online depois da pandemia, um grupo de representantes para trabalhar diversas questões com as demais filiadas da Federação. Dentre esses temas algumas vezes se iniciam pesquisas, como por exemplo sobre sexualidade e diversidade, que tem seu caráter muito rico por serem desenvolvidas em diferentes países e realidades.

Essas informações e outras pude entrar em contato a partir de uma conversa com Silvia Alonso, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e professora do Curso de Psicanálise. Também pude refletir sobre o tema do congresso deste ano: "Psicanálise das bordas e transbordamentos: transformações em tempos de excesso". Fico atento na busca de uma reflexão de uma centralidade possível, dinâmica e em movimento. Vou transcrever algumas partes da conversa gravada que tive com Silvia. A primeira coisa que perguntei para ela foi se ela poderia contar um pouco mais do ingresso do Sedes no FLAPPSIP:

"Eu tinha pessoalmente um sonho de que o Sedes fizesse parte de alguma comunidade, ou de alguma rede latino-americana. Enfim, por várias coisas, entre elas porque eu como analista estive na Argentina uma parte do tempo e depois no Brasil outra parte do tempo, e também por que na Argentina nasci em uma cidade do norte, onde tinha mais contato com Peru, Bolívia, Chile… não sei bem que marcas que me levaram, mas era um interesse pessoal que o Sedes pudesse ter essa participação em alguma rede, em alguma federação latino-americana."

 

E a partir de uma pesquisa sobre as redes, federações ou coletivos latino-americanos Silvia encontrou a FLAPPSIP e levou ao conselho de direção de Sedes essa ideia. No entanto, na época os "Estados Gerais da Psicanálise", movimento que nasceu na França, passou a organizar os encontros latino-americanos dos quais o Sedes participou ativamente. Por esse motivo a ideia de entrar em outra Federação ficou adiada. Silvia continua:

"Aí, não sei exatamente quando, deve ter sido 2015, aconteceu uma coincidência. Os "Estados Gerais da Psicanálise" acabou se interrompendo, então ficou um espaço vazio novamente. Então retomei a ideia, de que seria interessante a gente fazer uma filiação e uma entrada na FLAPPSIP. Nessa mesma época aconteceu que o Renato Mezan foi convidado para falar no congresso da FLAPPSIP no Peru. E as pessoas da FLAPPSIP perguntavam para ele: por que o Sedes não está na FLAPPSIP?  De alguma maneira se reconhecia pontos de muita identificação. Quando Renato voltou do congresso levou essa pergunta para o departamento, e levou para o conselho de direção: porque a gente não tá na FLAPPSIP? [...] Então a gente juntou esforço, Roberta Kehdy (articuladora de relações externas no conselho) e eu começamos a pensar e montamos uma pequena comissão para pensar e para trabalhar a questão. Nessa comissão estavam Mario Fucks, Roberta Kehdy, Alessandra Sapoznik, Renato Mezan e eu. Começamos a trabalhar em um trabalho bem grande e trabalhoso mesmo."

 

Silvia vai relatando um trabalho muito extenso de inclusão do Sedes na FLAPPSIP que diz respeito a muitas pessoas e um movimento coletivo. Ela ainda afirma sobre o porquê da escolha dessa federação específica:

"Acho que por duas coisas fundamentais, interessou pela visão que tem com relação à psicanálise, por ser uma psicanálise em movimento, por ser uma psicanálise que leva em conta os processos de transformação. Por sustentar uma psicanálise muito viva. E também porque o interesse é em uma psicanálise que tem muita escuta colocada na subjetividade, mas também nos efeitos sociais e políticos sobre a subjetividade. E muito atenta às histórias políticas de cada país que faz parte."

 

Após saber um pouco sobre o ingresso do Sedes na FLAPSSIP pudemos falar também sobre o tema do congresso deste ano: "Psicanálise das bordas e transbordamentos: transformações em tempos de excesso." 

"[...] No território clínico esse tema faz muito sentido. No território social e no político também, ou seja, certamente o campo político nos diferentes países latinoamericanos, incluindo o Brasil, nesses últimos anos, é um campo de uma mobilização muito grande. [...] Toda crise é um bom fermento para o pensamento, para a transformação e para a produção. É no campo social e cultural, ou seja, tudo o que é a ampliação das bordas, a ampliação das fronteiras, é tudo o que se trabalha atualmente: na inclusão da cultura periférica, ou a inclusão dos setores mais vulneráveis ou menos favorecidos. Para trabalhar essa temática se faz necessário transitar nos territórios das fronteiras, nos diálogos interdisciplinares. Eu acho que todos esses últimos anos têm sido certamente momentos em que o trabalho psicanalítico é muito feito nos campos interdisciplinares, porque as próprias temáticas exigem. Trabalhar um tema como a violência, trabalhar um tema como a sexualidade e a diversidade, exige um trabalho interdisciplinar. Exige um trabalho de diálogo. Então o diálogo psicanálise e política, psicanálise e feminismo, psicanálise e temáticas sociais das migrações, ou, enfim… Eu acho que nesse congresso especificamente se priorizou mais especificamente o próprio objeto de trabalho, vai ser a borda, os transbordamentos e os excessos. [...] Acho que tem sido muito fértil os congressos até agora. Imagino que esse de agora vai ser também. Nesse sentido acho que o tema é isso, muito atual, tema absolutamente atual, e interessante porque de alguma maneira os temas anteriores, tanto a violência quanto a sexualidade e a diversidade, levaram a trabalhos interdisciplinares nas fronteiras, mas agora as próprias fronteiras, as bordas, os transbordamentos, é que vai ser trabalhado. Acho que vai ser certamente um tema bastante fértil. E a questão dos excessos é isso, na clínica, tem os excessos na política, os excessos na violência, os excessos de censuras antidemocráticas... ou seja, muitos excessos que vem ocupando o campo político significativamente nesses anos passados e próximos.

[...] De alguma forma a psicanálise quando trabalha esse tipo de clínica que são clínicas de fronteiras psíquicas, ou seja, a questão das compulsões, das drogadições, são clínicas de fronteiras, pensando nas fronteiras psíquicas, mas pensando também quando a psicanálise se pensa no contexto no território amplo da cultura do social, da coisa toda, todo trabalho que se vem fazendo com relação ao gênero, da raça, das classes e também dos territórios concretos, geográficos, e dos territórios culturais, ela está trabalhando esse campo das fronteiras. "

 

Em relação a possível interlocução dessa ampla comunidade que ocorre no congresso da FLAPPSIP Silvia descreve:

"É muito interessante como você vai conhecendo nessas trocas as realidades e as histórias dos diferentes países, considerando os efeitos da clínica psicanalítica dos diferentes países, por exemplo, os efeitos políticos nos processos de formação. [...] Os trabalhos dos membros do Departamento apresentados no congresso, ou publicados na revista da FLAPPSIP, que chama "Intercâmbios Psicanalíticos", tiveram resposta e grande reconhecimento. Inclusive alguns trabalhos dos analistas em formação enviados para o concurso dos estudantes foram premiados."

 

O balanço dessa conversa com Silvia me fez refletir profundamente no caráter da construção de uma comunidade psicanalítica e de uma comunidade ampla. Tendo como parâmetro o movimento que uma sociedade acarreta, e também a liberdade, no caso do vínculo com a FLAPPSIP, de cada instituição poder exercer suas particularidades, se faz refletir um modo de pensar psicanalítico do qual me sinto parte. Portanto, não é o compasso "geométrico-matemático", mas sim o "compasso-do-tempo", de uma construção histórica, é uma prática voltada à subjetividade que compõem os avanços de nossos territórios.

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