A psicanálise e o inescapável mundo digital

Denise Maria Cardoso Cardellini faz o relato do Evento PSICANÁLISE E ALGORITMOS realizado no Sedes Sapientiae. Nos apresenta as relevantes reflexões - realizadas através do debate transversal entre psicanalistas e profissionais das áreas da linguística, comunicação e semiótica - sobre o mundo digital e seus impactos políticos, sociais e subjetivos.

 

A PSICANÁLISE E O INESCAPÁVEL MUNDO DIGITAL

Com grande satisfação, faço o relato do Evento “PSICANÁLISE E ALGORITMOS”, ocorrido no Instituto Sedes Sapientiae, por estarmos imersos nessa vastidão digital, que não cessa e acelera as transformações políticas, sociais e culturais, tendo muitos impactos, principalmente nas subjetividades atuais.

Esse evento foi muito apropriado nesse momento, por ter palestrantes pesquisadores disparando profundas discussões e reflexões para o campo da Psicanálise, através do debate transversal de psicanalistas e profissionais das áreas da linguística, comunicação e semiótica.

 Assim, o evento planejado por Marina Bialer em conjunto com a comissão organizadora afinada: Renata Cromberg, Helena Lima, Eugênio Dal Mollin, Marcia Bozon e Ivy Carvalho, trouxeram para o Departamento de Psicanálise o tema relacionado às mudanças tecnológicas, onde empresas (Big Techs) disputam por mais engajamento dos usuários.   

Partindo das questões instigantes: O que a psicanálise tem a dizer sobre os algoritmos? O que nós psicanalistas temos a ver com o campo das Humanidades Digitais? O que temos a dizer sobre bolhas digitais, redes sociais, memes, fake News, racismo algoritmo, cibernética, cancelamentos?

Nesse caldo de uma cultura de hiperconectividade nas redes digitais, onde as pessoas se informam e passam horas do seu dia plugadas nas mídias sociais, que não são neutras, mas capturam à atenção, sobretudo pelos discursos de ódio, disseminação das fake News e cultura do cancelamento.

As explanações começaram com a abertura do Evento por Ivy Carvalho ressaltando a história das revoluções: industrial, computacional, o aparecimento da internet, atravessando assim, as transformações sociais e políticas pós-guerras até os desafios do século XXI, em que a corrida do capitalismo não enxerga as crises climáticas alertando-nos, de que os recursos do planeta são exauríveis.

Não é a primeira vez que a Psicanálise é desafiada, disse Ivy, tanto nas suas teorizações como nas práticas clínicas, e técnicas. Estamos na pós-pandemia, rediscutindo os atendimentos on-line. E mais ainda, como fica o sujeito contemporâneo, seu inconsciente, desejos e responsabilidade ética quando confrontado por algoritmos insidiosos?

 Com fala vigorosa e contundente - Lucia Santaella (pesquisadora de Comunicação e Semiótica) - referiu que é a primeira vez que fala aos psicanalistas sobre esses temas. Colocou que desde as máquinas produtoras de linguagem: telégrafo, gramofone, a fotografia, o rádio, a TV, que são expansões de inteligências sensórias, mais a cultura das mídias e a revolução disruptiva digital dos anos 90, esperava-se pela democratização da comunicação, mas não foi o que ocorreu. No Brasil, sobretudo devido à falência educacional, isso contribuiu para que os algoritmos influenciassem na manipulação dos dados e desse modo, passamos a viver em bolhas. Tudo virou dados e mais a inteligência artificial, vão para as Big Techs. A complexidade aumenta com a inteligência artificial, além das situações preditivas, temos as generativas com o chat GPT.  Vamos nos espantando com o alcance da IA, que emula as capacidades humanas e existem sistemas como Réplica que desenvolvem relações afetivas e até sexuais entre humano e máquina.  

“A ética se tornou mandatória”, disse Santaella porque não temos como retroceder desse “colonialismo digital”.

Na exposição de Marcelo Buzato (Linguística aplicada), ele expressou que o “pós-humano”: é um termo, que segundo a pesquisadora Nancy Hayles, tem sentido filosófico, como uma dialética de um ser fadado a produzir e interpretar o mundo e a si mesmo entre a materialidade e a informação sem corpo.

Apontou que o sistema Replica oferece empatia o tempo todo e tem 10 milhões de usuários fiéis.

Mostrou muitos exemplos:  fotos de pessoas que não existem na realidade e o intrigante desses sistemas, eles funcionam só respondendo, uma vez que   não formulam perguntas.

Os algoritmos nos levam a matemática, constituem uma sequência lógica matemática de dados que complexificam em redes neurais.

 A psicanalista Ilana Katz compondo a mesa com os convidados de outras áreas, com seu texto lançou as perguntas: que lugar tem o outro nessa temporalidade do engajamento? Ele é da ordem do laço social? Marcou que nesse tempo do algoritmo, há um achatamento no tempo de compreender (Lacan), tornando o medo imperioso nas relações, principalmente o medo do cancelamento pelo outro. 

Na mesa de sábado, os psicanalistas: Julieta Jerusalinsky, Marina Bialer, Christian Dunker e Mario Eduardo Pereira formularam muitas questões e tiveram falas de muita densidade e potência com perspectivas teórico-clínicas (referenciais lacaniano e freudiano), estendendo para as experiências cotidianas no social.

Para abertura da mesa, Renata Cromberg trouxe a referência Ferencziana com o texto: “A Afirmação do Desprazer” de 1926. E assinalou a partir desse texto: “nada o que o homem cria, está fora do humano, desse modo, o aparelho psíquico está presente para levar em conta a realidade.”   

 Uma nova linguagem com o digital, evidenciou Dunker, está   produzindo novos sujeitos e subjetividades. Essa linguagem traz problemas na metapsicologia da Psicanálise, devido a   autorreferência, pois, a máquina não percebe as contradições e nem quanto ao infinito. São várias teorizações do pós-humano e as histórias dos objetos.

Mencionou as duas linhas de pesquisas atuais: Sidarta que trabalha com os sonhos e uma pesquisa que emula uma pessoa que já faleceu e deixou todos os seus dados alimentando sua vida pós- morte.    

Julieta Jerusalinsky considerou duas proposições para o debate: a sobredeterminação algorítmica do sujeito e  a virtualidade como o quarto registro além do real, simbólico e o imaginário. São múltiplas as  transformações atravessadas pelos algoritmos, desde o cuidado dos bebês, a criação dos filhos e o amplo uso dos aplicativos.

Por sua vez, a  dinâmica das bolhas e  o viés algorítmico foram enfatizados por Marina Bialer, que  se interroga sobre o fenômeno de massa que atinge as pessoas, tornando-as fanáticas. Nos extremismos, os comportamentos das massas são mobilizados pelos algoritmos, reforçando os estereótipos racistas e sexistas.  Seu livro: “Psicologia das Multidões Digitais” (2024) foi citado durante o debate  como fecundo para a escuta do nosso tempo, num diálogo da Psicanálise com outras disciplinas no campo das tecnologias digitais.

Por fim, Mario Eduardo Pereira discorre sobre Psicanálise: Sonhos e Linguagem e Cibernética (Controle e Comunicação). Ressaltou a teoria da máquina na Psicanálise em Lacan e os desdobramentos dessa teorização.

Dada a relevância do tema e a impossibilidade de relatar plenamente a excelência das falas e do fértil debate, deixo o link para  que todos/as possam ter acesso à riqueza do Evento.

https://youtu.be/7HD5KCzqP5E/si=f1317Ufi8Jexlbil 

Denise Maria Cardoso Cardellini é membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.

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