Uma nota de gratidão a Marcelo Viñar

Ao escrever algumas palavras sobre Marcelo Vinãr, Laurinda presta uma singela homenagem em nome de todos que pudemos desfrutar de suas ideias, mas principalmente de sua generosidade.

UMA NOTA DE GRATIDÃO A MARCELO VIÑAR

“...O sujeito é um sujeito social aberto à sua cidade, aberto à sua região, aberto à sua língua, aberto ao seu tempo e aberto ao mundo e disponível”

Marcelo Vinãr

A última vez que vi e ouvi Viñar foi no Chile, no XII Congresso da FLAPPSIP. Convidado de honra, circulava, afetuosamente, entre os participantes daquele encontro. Fui cumprimentá-lo pelo seu imenso e rico trabalho e tiramos uma foto juntos.

 

 

Ao ler a notícia de sua partida, lembrei-me dessa cena e da circulação, também afetiva, pelas leituras que fiz de seus trabalhos. Em especial seus relatos sobre o exílio e a tortura, no livro escrito por ele e sua mulher. No prefácio, Maud Mannoni agradece a eles pelo combate que fizeram para que a história de um povo pudesse ser dita às gerações futuras e que a memória não fosse esquecida. E acrescenta, ao final: “esta história concerne a todos nós: ela também é nossa”.

De fato, ela concerne, especialmente, aos efeitos das ditaduras que atravessaram a América Latina e às verdades que insistem em ser desmentidas.

Dentre os relatos que eles descrevem, decidi reproduzir aqui a experiência de Sofia, uma menina de 5 anos que visita o pai na prisão.

O pai de Sofia era um preso político sequestrado pela ditadura argentina. A cada visita, a menina levava seus desenhos com mensagens endereçadas ao pai. Na entrada, seus desenhos eram sistematicamente examinados. Um dia, a mulher que fazia o controle, risca com tinta preta o desenho das andorinhas que anunciavam a chegada da primavera.

- É proibido desenhar pombas, diz-lhe em tom severo.

Desde então, Sofia não desenha mais pássaros. Desenha numerosos pares de pequenos círculos sobre os galhos das árvores.

São os olhos dos pássaros escondidos!

Já apresentei esta história em meu livro sobre a Violência e foi com ele que terminei minha escrita, naquele momento. O trabalho de Marcelo Viñar nos lembra, insistentemente, da capacidade humana, assim como fez a pequena Sofia, de criar destinos e não se deixar submergir às forças repetitivas da violência e do traumático.

Marcelo se foi, mas deixou presente a força de seu olhar, de sua voz, de seus escritos, reafirmando, assim, sua insistência em resistir e existir como sujeito social aberto ao seu tempo, aberto ao mundo e disponível.

M. Laurinda R. Sousa é psicanalista do Departamento de Psicanálise do Sedes e colunista do Blog do Departamento.

Comentários

  1. Que lindeza de postagem, Laurinda! Agradeço que ponha para circular entre nós os afetos que te atravessaram no contato com Viñar.

    ResponderExcluir
  2. Laurinda, parabéns pelo texto e pela foto. Eu também estive com ele, num
    Evento do Departamento, que foi
    excelente, mas não tenho uma foto
    Pena😔

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

‘Onde estava o Isso, o Eu deve advir’: caminhos da clínica contemporânea por René Roussillon

Não fui eu, não fui eu, não fui eu...

Sobre Silvios e Anieles