And Just Like That
Encerrada a terceira temporada da série AND JUST LIKE THAT, um desdobramento atualizado de Sex and the City, Sergio Telles tece comentários sobre as amigas - já mais maduras - enfrentando não só a idade, mas as transformações culturais dos quase vinte anos que separam uma série da outra. Confiram:
AND JUST LIKE THAT
A terceira temporada da série AND JUST LIKE THAT encerrou-se despertando uma certa turbulência por parte dos aficionados.
AND JUST LIKE THAT (2021-2025) é o desdobramento da célebre SEX AND THE CITY (1998-2004), que mostra a vida de quatro amigas – Carrie, Miranda, Charlotte e Samantha - na cidade de Nova York.
Desde o início a série recebeu elogios e críticas. Os primeiros mostravam que, encoberto pelo tratamento fútil e leviano, havia uma comédia de costumes mostrando o momento cultural em que as mulheres passaram a usufruir das conquistas do feminismo – a liberdade sexual, a ocupação no mercado de trabalho e autonomia financeira. Os segundos reprovavam a idealização do consumo de luxo, a exposição acrítica de uma elite econômica indiferente à injustiça social, exercendo sem culpa seus muitos privilégios.
A série se transformou numa vitrine de tendência de moda, design e comportamento, especialmente o feminino. A personagem Carrie Bradshaw tornou-se a marca registrada da série e da própria carreira da atriz Sarah Jessica Parker.
Passadas quase duas décadas, AND JUST LIKE THAT traz de volta as amigas, tendo a formação anterior mudada com a substituição de Samantha por Seema.
Em SEX AND THE CITY as amigas estavam euforicamente se firmando na vida, agora as encontramos noutra fase, enfrentando o peso da maturidade, as dores do envelhecer, a confrontação com as impossibilidades impostas pela realidade.
O título AND JUST LIKE THAT é retirado de uma frase de Carrie ao contar a inesperada morte de seu marido Big, vitimado por um infarto fulminante. “E assim, sem mais nem menos”, chega a morte e nos arrebata alguém querido. E é assim que começa essa segunda parte da série.
Carrie enfrenta o luto pela morte do marido e procura refazer sua vida amorosa, apostando as fichas num velho amor, que preso às obrigações com os filhos de um casamento desfeito, não consegue se comprometer definitivamente. O outro candidato, um colega escritor inglês, também não se dispõe a entrar numa relação estável. Carrie tem de enfrentar a realidade. Não conseguiu encontrar um parceiro, está sozinha. Ou, como prefere dizer, está “por conta própria”.
As demais personagens também passam por dissabores bem realísticos. Charlotte tem de enfrentar os problemas de identidade de gênero de uma das filhas e, posteriormente, o câncer do marido, acompanhado de sua eventual impotência sexual. Seema tem uma grande decepção profissional – não é convidada par ser sócia da empresa em que trabalha há muito tempo, preterida por um colega homem com menos tempo de serviço na casa. Miranda luta contra o alcoolismo e assume sua homossexualidade ao encontrar a decidida Che, tira a virgindade de uma freira e parece encontrar seu amor na pessoa de uma jornalista inglesa que adora cães – uma possível ironia com aqueles que ficam excessivamente ligados a seus pets. Além disso, Miranda tem de lidar com a expectativa de ter um neto, fruto de um encontro casual de seu filho com uma moça de origem modesta, que se faz acompanhar por amigos trans.
Um dos aspectos mais criticados do episódio final se passa justamente no apartamento de Miranda, onde o entupimento do vaso sanitário e o explicito regurgitar de fezes mostrado cruamente deixou parte do público indignado com o que foi considerado como excessivo mal gosto. Outros captaram um tom preconceituoso contra os personagens trans de origem humilde.
O episódio final frustra apenas àqueles que até então não haviam percebido o tom mais realista, não romântico que dominou toda a temporada. A exposição das fezes juntamente com a caracterização beirando o ridículo dos personagens trans, contrasta com o que sempre foi considerado como um manual de sofisticação, luxo e elegância regido pelo mais estrito politicamente correto. É o próprio retorno do reprimido, tudo que fora afastado e negado até então aparece de forma intrusiva e incontrolável. Parece uma propositada avacalhação, uma virada de mesa, um belo golpe publicitário apontando para uma possível continuidade da série, que é oficialmente negada.
Ainda assim, a cena final, com Carrie sozinha em casa cantarolando e dançando ao som de Barry White não tem uma conotação melancólica, é mais uma celebração da vida.
Se SEXO AND THE CITY foi criticado por restringir seu universo narrativo a um feminismo branco, heteronormativo e de elite, AND JUST LIKE THAT, com exceção do último episódio, se esforçou para ser o mais inclusivo possível, com personagens brancos, negros, asiáticos, latinos, indianos, gordos, magros, binários e não binários.
Mas essa não é uma preocupação específico dessa série. Na produção de filmes em geral é de rigor que o elenco seja multirracial e inclua a diversidade de gênero. O mesmo se dá quanto ao aspecto comportamental. Se neles antes os homens brancos ocupavam as posições de poder, hoje é quase o contrário. Mesmo nas delegacias dos filmes policiais, detetives e o próprio delegado são representados por mulheres de variada etnia. No que diz respeito às representações do sexo, foi-se o tempo em que os homens estavam sobre as mulheres. Agora eles estão sempre deitados e as mulheres os cavalgam, deixando claro que não estão submetidas ao jugo do macho, têm o controle e são donas do próprio gozo.
Antes tais mudanças talvez provocassem desconforto e estranhamento, hoje não tanto. O que nos leva a pensar no poder do cinema como formador de opinião. Tais imagens têm feito mais pela superação de tabus sexuais e raciais do que pilhas de manifestos políticos.
Sergio Telles é psicanalista e membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae
Comentários
Postar um comentário