Viver em companhia da morte: Em defesa da demissão por justa caus
A
análise do humor presente nos memes pandêmicos inspira Maria Laurinda R. Souza, colaboradora do Blog e professora do curso
Psicanálise Teoria e Clínica, a jocosamente ensonhar um emergente seco em
nossas gargantas "você está demitido, Nosferatu!".
VIVER EM COMPANHIA DA MORTE: EM DEFESA DA DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA.
Este
texto foi escrito em setembro, logo após o fatídico pronunciamento do dia 7/9. As
charges e memes que imediatamente ocuparam os meios de comunicação, reavivaram
em mim, talvez por contraste das imagens, o que, desde o início da pandemia,
havia despertado minha atenção: uma série de memes utilizando a figura da
Rainha Elizabeth.
Mais
frequentes nos primeiros meses, pareciam apelar para a possibilidade de vencer
a morte por uma identificação mágica com sua figura:
Conheci Jesus Cristo: era uma criança muito alegre
Amo o Egito! Lembro de muitas baladas
com minha amiga Cleópatra. Uma fofa!
Antigamente eu criava tartarugas, parei
porque a gente acaba se apegando aos bichinhos e eles vivem tão pouco!
Depois, os memes passaram a anunciar uma tentativa de discriminação e um apelo ao uso da máscara:
Tomem a vacina. Eu sou imortal, vocês não.
A
mulher que enterrou 8 presidentes dos EUA, 5 papas, o Rei do pop, viu os
Beatles virem e irem, viu o Muro de Berlim subir e cair, viu o homem chegar à
lua, já sobreviveu a três pandemias E mesmo assim, usa máscaras faciais. Se um
ser imortal decidiu fazer isso, não sei porque você se recusa a usar...
A morte do consorte (palavra de não muita sorte) imediatamente produziu outro meme: uma procura nas redes sociais de um jovem parceiro para a Rainha.
E,
mais recentemente, em agosto deste ano, depois do anúncio da morte de Charlie
Watts, o famoso baterista dos Rolling Stones, eis que surge outro meme da
rainha, substituindo o “lorde inglês” na companhia do grupo.
Essa
figura familiar, representada pelo estereótipo de uma rainha, parecia tornar possível
a ilusão de uma “mãe” poderosa capaz de nos proteger de tanto desamparo. O
humor fazendo uso de sua longevidade transformava o sinistro em algo
assimilável.
Em
outra vertente, também pelo humor, a inteligência de Quino e sua Mafalda nos
convidava, no início deste ano, não a uma identificação mágica, mas antes, a
uma ação implicada que nos fortalecia:
Manuelito: As pessoas esperam que o ano que está começando seja melhor que o anterior
Mafalda:
Aposto que o ano que está começando espera que as pessoas é que sejam
melhores.
Não é o mesmo efeito que se produz com os memes do sinistro que desgoverna este país. O riso aqui é ácido, vem sempre mesclado com revolta, numa tentativa de desopilar o insustentável. Nesses memes a morte ronda-nos com a ameaça de destruição do tão recentemente construído. Ronda-nos com o incitamento ao gozo do agir sem contorno ou limites. Alternativas alimentadas pela corporificação do nosso Nosferatu atual.
Como
suportar os atos de ignorância registrados em suas manifestações públicas? Em
sua convocação às motociatas com um gasto exorbitante do dinheiro público para
garantir sua segurança? Em seus ataques às instituições e à democracia? Em suas
ameaças constantes de um possível golpe militar? Tragédias que não cessam de se anunciar.
Os
memes recentes dessa figura revelam a merda espalhada pelo liquidificador de
seu palavrório. Em um deles, aparece ajoelhado mirando-se, qual Narciso, no
espelho de sua latrina. Em outro, no banquete que se seguiu ao dia 7/9, em
celebração à sua carta de capitulação, os “comensais da morte” aparecem, na
tirinha de Fabiane Langona, coroados com suas cabeças de merda.
Impossível
não associar tal cena do banquete com as “cobras e lagartos” (peço perdão ao
uso popular do nome desses bichos tão honoráveis) pronunciadas pelos asseclas
do ministério na reunião do dia 22 de abril de 2020 em que corria a proposta de
ir passando a boiada e mudar todo o regramento, enquanto a imprensa estava
preocupada com a tal da COVID.
Amós
Oz em sua receita de Como curar um fanático, propõe como antídotos o
humor, o ceticismo e a argumentatividade. Também, uma certa jocosidade.
Eis
que inspirada por essa receita, sobretudo por certa dose de jocosidade,
ocorreu-me convocar a população para assinar o pedido de demissão por justa
causa de nosso empregado maior.
Justifico
o pedido com um caso de jurisprudência: no
relato da demissão por justa causa de uma auxiliar de limpeza hospitalar que
recusou a vacina contra a covid 19 (decisão de 11/5/2021), a juíza que
sancionou a legitimidade dessa ação, alegou que ao não aceitar a vacinação, a
funcionária colocou em risco colegas de trabalho e pacientes. A defesa da funcionária
procurou demonstrar que ela teve medo de ser vacinada depois de ler relatos na
internet de pessoas que não iriam se vacinar.
Não
teria, também, sofrido os efeitos do monstro que convida à ignorância?
Não
temos aí, somado a tantos outros recursos de impeachment já encaminhados ao
Congresso, um caso de jurisprudência para a demissão por justa causa de nosso presidente? Não será à Justiça do Trabalho, tão
depauperada pelo atual governante, a que ironicamente poderemos recorrer para
alterar o conjunto desse desastre? Não são as ações desse dito governante um
risco acentuado para os habitantes deste país? Assinemos, então, em ato
coletivo, seu aviso de demissão por justa causa.
M. Laurinda R. Sousa é psicanalista e escritora. É membro do Departamento de Psicanálise, e colunista do Blog do Departamento.
Muito espirituoso! Gostei do tom da escrita, Lau!
ResponderExcluirCada dia mais me orgulho de te ter como irmã. Amei o texto, como todos que escreve, gostoso de ler e de fácil compreensão. Parabéns!
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