Homenagem a Isildinha Baptista Nogueira, uma analista negra
Ao comentar a fala de Izildinha Baptista Nogueira na FLAPPSIP, Renata Cromberg tece uma linda homenagem
HOMENAGEM A ISILDINHA BAPTISTA NOGUEIRA, UMA ANALISTA NEGRA
A conferência magistral de Isildinha, em 16 de outubro de 2025, foi certamente o acontecimento maior do excelente XII Congresso Latino-americano da Flappsip, cujo tema foi Eros, Alteridade e Criatividade em Tempos de Assombro. O Pulso atual da Psicanálise, com mais de 150 significativas falas. Provocou duas ovações de muitos minutos, as pessoas emocionadas e muitas com lágrimas nos olhos pelo impacto de sua genial reflexão sobre a constituição psíquica da subjetividade negra.
A apresentação realizada por Roberta Kehdy foi muito calorosa e carinhosa e trouxe presente toda a ancestralidade de Isildinha. E ela começa sua conferência dizendo a que veio e de onde fala: “sendo eu uma analista negra”. Linda em suas tranças prateadas e sua roupa branca, marcas afirmativas de sua origem, ela fala o tempo todo de um lugar profundamente conhecido, encarnado, de onde parte sua reflexão única. Por mais que lance mão de outros autores, Isildinha constrói uma metapsicologia original, que parte de uma observação implacável de si mesma e de sua clínica, bem como da dimensão histórica, social e política da negritude.
Para mim, o ponto central de sua reflexão, é quando ela, depois de discorrer um pouco sobre a fase do espelho em Lacan, nos aponta que “a particularidade que a experiência do espelho, na criança negra, envolve, diz respeito ao fato de que o fascínio que essa experiência produz é acompanhado, simultaneamente, por uma repulsa à imagem que o espelho virtualmente oferece. Nesse movimento, a assunção jubilatória de que falava Lacan é necessariamente acompanhada de um processo suplementar que envolve a negação imaginária do semblante que a imagem especular oferece, pois a criança negra reluta em aderir a essa imagem de si que não corresponde à imagem do desejo da mãe. Ao tomar-se pela imagem que "aquela imagem é ela", mas, não reconhecendo ali a imagem do desejo da mãe, a criança se vê, então, inconscientemente mobilizada a procurar, nessa imagem, o que a reconciliará com o desejo materno. Nesse movimento, produz-se um mecanismo complexo de identificação/não identificação que reproduz para a criança negra as experiências do adulto negro: o fato de sua identificação imaginária ser atravessada pelo ideal da "brancura". Para se reconciliar com a imagem do desejo materno a brancura, a criança negra precisa negar alguma coisa de si mesma.” (consulta ao texto original gentilmente cedido por Isildinha a mim, depois de compartilharmos poltronas no voo de volta de Lima a São Paulo).
Depois da primeira ovação, quando ela toma o microfone para responder as perguntas, ela imediatamente conta um acontecimento que experienciou que foi de onde partiu sua reflexão e que se conecta com este ponto central: uma vez, estando já na França para seus estudos, ela vai visitar com um casal de amigos uma família que tinha recém se composto com a adoção de uma menina negra de 8 meses. Quando ela chega lá, a menina, no colo da mãe, olha para ela e depois para a mãe e toca no rosto da mãe. A mãe a leva para o espelho e a menina, ao ver sua imagem, desmaia. Novamente esta cena se repete e a menina desmaia e aí Isildinha dá um basta. Este basta traz com ele a constatação de que o inconsciente dos primórdios, da época dos processos identificatórios da fase do espelho, tem cor. E aí começa a pesquisa original de Isildinha e também a segunda ovação que recebeu.
Gostaria de marcar uma diferença ética importante que foi a disponibilização do texto de Isildinha em espanhol, como havia sido a diretiva da organização. Nem a historiadora peruana que fez a conferência no dia anterior e nem o psicanalista uruguaio que fez a conferência no dia posterior ofereceram os textos em português para serem acompanhados pelos brasileiros. Gostaria também de marcar a presença da tradutora do português para o espanhol nas perguntas Susana Carrillo Le Roux. Ao contrário das outras duas conferências, nem ela, nem Roberta se apresentaram, mas foram impecáveis. E Susana foi nossa guia sempre amorosa e generosa na sua terra natal.
Sorte a nossa termos a figura sábia de Isildinha Baptista Nogueira entre nós!
Renata Udler Cromberg é membro do Departamento de Psicanálise, pós doutora pelo IPUSP. Autora e organizadora da trilogia Sabina Spielrein Uma pioneira da psicanálise volumes 1, 2 e 3, de Mulheres pioneiras da psicanálise: uma antologia e de Cena Incestuosa - abuso e violência sexual e Paranoia.
Comentários
Postar um comentário