Nosso espaço de formação e a pandemia
O
Blog publica nesta semana o texto de Maria
Laurinda, professora do Curso de Psicanálise, que elenca as questões
decorrentes das mudanças necessárias para manter um curso de psicanálise na
pandemia. É possível continuar a formação pela internet? Os seminários e as
supervisões têm o mesmo estatuto? Como preservar a intimidade ética dos
acompanhamentos clínicos?
NOSSO ESPAÇO DE FORMAÇÃO E A
PANDEMIA
Março/2021 – para não comemorar o
31/1.
O
Curso de Psicanálise do Departamento de Psicanálise do Sedes Sapientiae, assim
como todos os espaços sociais, institucionais ou não, viu-se impactado pela
Pandemia. Em março de 2020 havíamos iniciado os encontros presenciais com os
jovens analistas (é preciso, agora, que em diferentes momentos, façamos essa
diferenciação – presencial/virtual), quando se colocou a necessidade do
isolamento, do “Fiquem em casa”.
Que
fazer? Como fazer?
As
mesmas questões se colocaram com relação à clínica e suas especificidades se
fizeram relevantes (a clínica com crianças, adolescentes, casais...) e alvo de
questionamentos. É possível uma análise on-line? Como fazer essa mudança de
setting?
A
posição de cada um de nós se viu na instabilidade do meio-fio. Brotaram lives,
textos, ensaios, encontros, relatos de tentativas de construção de encaminhamentos
para as hesitações do momento.
No
espaço interno do curso, passamos o mês de março e abril em conversas entre
nós, com os alunos, com as instâncias diretivas do Instituto.
As
perguntas insistiam: É possível continuar a formação pela internet? Os seminários
e as supervisões têm o mesmo estatuto? Como preservar a intimidade ética dos
acompanhamentos clínicos?
Os
espaços anteriormente formalizados foram se diluindo e se transformando em
encontros de fala sobre o que estava acontecendo nos diferentes territórios: os
da intimidade, os familiares, os outros grupos de pertinência, o que acontecia
nas cidades, nos Estados, no Brasil, no mundo.
As
dúvidas sobre a continuidade do anterior foram se desfazendo. Havia algo novo a
constituir e tornou-se evidente que o espaço de formação poderia, como pode,
ser um lugar potente de pertinência, de encontro, de continência para o
inesperado, de troca sobre as experiências analíticas e sobre as experiências
da vida.
Inventou-se
uma nova forma de ser analista, desfizeram-se dogmas sobre o enquadre, o
cenário fechado do consultório deu lugar à entrada nas casas, à partilha mais
próxima do cotidiano vivido.
E,
sustentamos, também, o reconhecimento partilhado no coletivo
professores-alunos, da importância da continuidade das atividades de formação.
Importância do estudo, da investigação, da solidariedade grupal quanto à escuta
das angústias desse ofício. Mas também quanto às angústias do que a realidade
nos apresentava e continua apresentando: os efeitos nefastos do desgoverno
deste país, a ausência de uma política sanitária coordenada, o ataque à ciência
e ao SUS, o sofrimento pelas mortes, pelas desigualdades, pelos genocídios, e pela
ausência de rituais possíveis para os lutos intermináveis, para as
sintomatologias crescentes tanto no corpo como na alma e para o inquietante
nebuloso das perspectivas de futuro.
Estar
num coletivo que fomenta a circulação da palavra e potencializa a vida tem sido
uma janela protetora do sofrimento que tenta nos assolar pelos vãos das portas
entreabertas. Impossível não sofrer pelos “outros” precarizados em sua
vulnerabilidade e em sua maior exposição aos riscos. O outro somos nós.
O
vírus nos contamina. A destrutividade, a apatia, a melancolia podem fazer o mesmo.
Continuamos
na luta pela vida e na defesa por uma vacina que nos proteja a todos – dos
vírus (em todos os seus sentidos; não apenas biológicos) e de Tânatos.
Nota:
este texto foi escrito a partir de um encontro de professores em que se lançou
a ideia de retomar nosso percurso, como espaço de formação, no contexto da
pandemia. Sou grata às discussões que se processaram naquele momento.
M. Laurinda R. Sousa é membro do Departamento de Psicanálise do Sedes Sapientiae. É psicanalista e escritora.
no título do texto, a nota - para não comemorar o 31/3 saiu como 31/1. O texto foi escrito antes do 31/3. Havia razões óbvias para esse apelo, frente à ameaça de uma comemoração dessa data pelas manifestações prévias por parte do Governo.
ResponderExcluirMuito bom, Laurinda!
ResponderExcluirPalavras acolhedoras, Laurinda! Obrigada!
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