Depois de 11 de agosto

No post de hoje Cida Aidar escreve sobre o ato  de 11 de agosto no Largo São Francisco em prol da democracia. Um momento de esperança e de exaltação de Eros. Cida busca destacar o que representou o ato do dia 11 e nos convida a pensar sobre o futuro, sobre o depois.

  

DEPOIS DE 11 DE AGOSTO

A festa foi bonita, pá!

Tive que começar assim, abrasileirando o verso de Chico Buarque, para descrever em poucas palavras o que foi a manifestação pela Democracia e pelo Estado de Direito Sempre! Expressão comum, suprapartidária, que uniu gregos e troianos e pretos e brancos e indígenas e ricos e pobres numa manifestação que deixou bem claro que não vamos nos curvar aos golpes e autoritarismos do fascismo, dessa extrema-direita canhestra, tosca, desses milicianos que nos governam até o fim deste ano – no máximo, esperamos.

Os movimentos, as associações, as universidades e todas as pessoas que estavam nesse onze de agosto de 2022 dentro e fora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), que ocuparam não só o Largo São Francisco, mas tantos outros espaços pelo país afora onde a Carta foi lida. Os mais de um milhão de assinantes da Carta às Brasileiras e aos Brasileiros são uma amostra expressiva que demonstra que a sociedade civil não vai aceitar calada os desmandos dos fascistas que tomaram nosso país ao ganharem as últimas eleições.

Como sabemos, esse documento foi inspirado num anterior, de 1977, em plena ditadura civil-militar. A Carta aos Brasileiros, escrita pelo jurista e professor da Faculdade de Direito Goffredo da Silva Telles Junior, também foi lida numa manifestação que conclamava à reconstrução da democracia no país. Seguiram-se, depois, no início dos anos 1980, o movimento pelas Diretas Já e a formação de uma Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a Constituição de 1988, vigente em nosso país.

Bom lembrar que nossa democracia é claudicante e jovem e precisa de muita construção para ser de fato uma democracia do povo, para o povo. Há muito a fazer! Como se diz, estamos na luta, a luta continua. Importante retomar a história, porque nesse onze de agosto de 2022 me chamou a atenção que havia poucos jovens, ao menos no Largo São Francisco, onde estive. É possível que se deva à apatia que nos assola diante da falta de ideais, à melancolia que impera. Mas não podemos parar de sonhar. Verdade que os jovens também se manifestam de outra forma – na balada, no pancadão, no baile funk, na street dance e nos skates da vida. Ao mesmo tempo, é fundamental que quem viveu a ditadura civil-militar participe dizendo “Nós não esquecemos”. Lembro muito bem do que foi viver parte da infância, adolescência e início da fase adulta num regime pautado pelo terror de Estado. Viver com medo. Eu me lembro muito bem e farei tudo o que estiver ao meu alcance para que isso não se repita.

Daí o título que escolhi para estes comentários. Sim, foi um belo dia, com alguns discursos excelentes e emocionantes, mas temos que seguir na luta. Temos o sete de setembro e o dois de outubro e a vida inteira pela frente. Como seguimos? Como podemos reimaginar o mundo?

Com a arte, certamente. Nossos queridos mestres-poetas-músicos Caetano, Chico e Gil – só para citar alguns – têm nos embalado, do alto de seus oitenta anos, com vida e samba, mostrando que é preciso e possível andar com força e fé, reinventando-se sempre.

E nós, qual nossa intervenção como psicanalistas? Nosso Departamento está localizado no Sedes, instituição com grande tradição de luta política – e que foi bem representado na manifestação do dia onze. Além das participações em diferentes grupos militantes dentro e fora do Instituto, há que reconhecer nossa atividade clínica – seja onde for – como atividade fundamental para a promoção e construção da civilização contra a barbárie, que insiste.

Inconsciente aberto às inflexões da história, da cultura, dos movimentos imprescindíveis da sociedade em que vivemos. Da luta antirracista, da afirmação de nossos povos originários, de seu direito à terra, que foi e é sua desde sempre, ao direito de ser quem se quer ser, seja L ou B ou G ou T… Cada um sabe a dor e a delicia de ser o que é. A escuta psicanalítica só pode ser assim chamada se estiver aberta ao outro, à alteridade, à associação livre que flui no encontro analítico – no divã ou na praça. Entretanto, como disse Isildinha Batista num evento em nosso Departamento, a clínica não é lugar de militância, mas de abertura da escuta e por isso é transformadora. Essa é nossa contribuição maior, em nosso métier de analistas, para que a transformação aconteça, para que o sujeito desejante se imponha à compulsão repetidora e para que Eros se enrosque em Tânatos, impedindo a destruição.

Assim, quando um fascista genocida grita “Viva a morte”, nós respondemos com todas as forças: “Viva a vida, a liberdade, a criatividade, a empatia, a solidariedade”. Para que isso aconteça, para que a gente possa reexistir, com diferença e diversidade, com a democracia que de fato nunca tivemos – do povo, para o povo –, gritamos com todas as forças: “SEGUIMOS SONHANDO!”.

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