Conversas sobre Psicanálise e Política com Danielle Breyton



Agradeço o convite do blog que abre uma oportunidade de refletir sobre essa situação tão complexa e mobilizadora que estamos vivendo e impulsiona o árduo exercício de sistematizar uma costura própria.

Nos últimos anos, acredito que 2013 seja efetivamente um marco nesse sentido, venho reconhecendo na clínica os traços daquilo que eu prefiro valorizar como uma politização crescente. Muitos relatos de brigas familiares vividas de forma violenta em função de discordâncias políticas. Algumas situações ao redor da mesa, mas muitas outras no campo virtual das mídias sociais, grupos de whatsapp da família e afins. Concordo com a ideia de que existe uma ligação entre os acirramentos de posições e o advento da internet, de maneira ainda não completamente compreendida. É interessante o vocabulário que emerge, como "viralizar", por exemplo, que traz essa dimensão de contaminação tão reconhecível.

Também escuto angústias muito intensas e arcaicas ligadas à descontinuidade, perda de chão, ameaças difusas que ganham algum contorno quando se consegue nomear a instabilidade política que estamos atravessando, a violência sentida nas ruas.

Escuto junto com meus pacientes os panelaços atordoantes nos quais se encena, ao vivo, o quanto somos afetados por aquilo que nos rodeia e é desde esse lugar que podemos escutar e trabalhar as histórias singulares, os caminhos e escolhas de cada um.

Nenhuma neutralidade! Essas situações nos forçam a entender que a abstinência necessária à escuta é outra coisa. Que quanto mais formos capazes de pensar as forças em jogo, reconhecer a violência, quanto mais pudermos olhar para a face do ódio, do desamparo, do medo, mais nos tornamos capazes de acompanhar e respeitar as diferentes escolhas.

Evidentemente isso depende fundamentalmente de um sistema democrático, que comporte as diferenças e que regule os excessos. Defender a democracia e lutar contra as manobras que ameaçam enfraquecê-la, é defender uma condição básica de cidadania.

Voltando à ideia de uma politização crescente, acho importante temperar o pessimismo do retrocesso com o reconhecimento e valorização da vitalidade de determinados movimentos sociais, como o movimento passe livre, os coletivos feministas, o movimento dos secundaristas e poderia citar  muitos outros. Uma juventude se erguendo de forma crítica, criativa e solidária que renova a aposta num futuro de fortalecimento democrático.

Parece-me que estamos vivendo uma reação a uma movimentação que foi se constituindo nos últimos anos fruto do enfrentamento tímido e incompleto de questões até então naturalizadas, como as desigualdades e injustiças sociais, a questão racial, o estatuto da família, o silenciamento em torno da ditadura, torturas, mortes. A naturalização sustenta um estado de imobilidade e, assim, se faz de garantia identitária. Estamos assistindo o terror que provoca ver movimento naquilo que se julgava fixo.  Diferentemente dos discursos que insistem em vincular os governos Lula/Dilma à corrupção e, sem com isso, desresponsabilizá-los da parte que lhes cabe, me parece que devemos creditar essa nefasta reação conservadora aos - pequenos ainda - avanços democráticos dos últimos anos.

Desfecho desse fenômeno? Só consigo pensar que entre conquistas e retrocessos, poder e resistência, vamos continuar construindo nossa história. Temos muito a avançar!

Danielle Breyton é psicanalista, Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, Coordenadora do Núcleo Clínica de Projetos do Projetos Terapeuticos.

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