Conversas sobre Psicanálise e Política com Noemi Moritz Kon
Conversas sobre Psicanálise e Política com Noemi Moritz Kon
Sábado logo cedo,
em visita ao Museu de Arte de São Paulo, o MASP, recebi uma bela dose de
madeleine embebida em chá de tília. Fui conhecer a exposição "Histórias
da infância" (muito boa, aliás), mas não pude deixar de visitar antes o
"acervo em transformação" que, depois de 20 anos, recobrou seu
formato expositivo original, - "uma ousadia expográfica", nas
palavras de Marcelo Ferraz, "descolonizadora" e
"democrática", como a descreve o curador Adriano Pedrosa -, com a
reutilização dos cavaletes de vidro tal como proposto, já na inauguração do
museu, em 1968, por sua arquiteta Lina Bo Bardi. O frequentador adentra um
espaço que respira, com suas amplas janelas totalmente desobstruídas, que
franqueam o encontro com a cidade, um espaço radicalmente aberto a
movimentações livres, sem imposições que levariam a um direcionamento único e
absoluto, a um percurso previamente estipulado; somos convidados a caminhar,
movidos apenas pela curiosidade de nossos olhos, e, nessa
animação, vamos construindo associações inesperadas,leituras e
narrativas insuspeitas, diálogos entre autores e obras de vários momentos
históricos, de distintos estilos e lugares. A movimentação fluente dos outros
visitantes também comove durante a visita: cada um parece fazer o seu percurso,
aquele que lhe parece mais atraente, mais interessante. Algo de fluido,
permeável, maleável e ao mesmo tempo orgânico
se dá, em cada um e entre todos.
Já ao final de meu
trajeto reencontrei – depois de me surpreender com o trabalho de Marcelo
Cidade, Tempo suspenso de um estado provisório (2008),
oportunidade para que o próprio cavalete de cristal e seu pedestal de concreto
se torne obra, estabelecendo uma ponte com a arte contemporânea e, assim, com o
futuro – com Ar, cartilha do superlativo (1942), de Rubens Gerchman. Ar é uma escultura de grandes dimensões; a
palavra Ar apenas grafada em letras tridimensionais num azul
piscina. Relembrei-me de imediato de minha primeira visita ao museu, há quase
50 anos, e do assombro que aquela menina viveu ao se deparar com esta obra e
descobrir a amplitude possível do território da arte – mas isso também é
arte? –, o poder de desacomodamento que ela pode ter para onde pode nos
levar; é amplidão arejada, oportunidade de criação.
O
museu flutua sobre a cidade e abriga em seu vão livre as múltiplas manifestações que dela emanam.
Dimensão política profunda da arte.
Para
mim, também dimensão política profunda da psicanálise.
Que
possamos trabalhar nesse mesmo território amplo e poroso, com essa mesma potência de liberdade, receptividade,
mobilidade e criação.
Marcelo Cidade, Tempo suspenso de um estado provisório (2011-15), http://masp.art.br/masp2010/acervo_detalheobra.php?id=1299e
Rubens Gerchman, Ar, cartilha do superlativo (1942), http://masp.art.br/masp2010/acervo_detalheobra.php?id=488
Rubens Gerchman, Ar, cartilha do superlativo (1942), assim como eu me lembro dela na primeira vez que a vi, no primeiro subsolo do mus
PS: Saí da sessão "Nise -
o coração da loucura" (2015), sobre o trabalho da psiquiatra Nise
da Silveira, no manicômio carioca do Engenho de Dentro e retomei a experiência
que narrei para o Blog do Departamento. Recomendo fortemente o
filme dirigido por Roberto Berliner e estrelado por Glória Pires. Tanto o filme
como o trabalho desenvolvido em 1944 mostram justamente a potência disruptiva
da psicanálise que procuro falar aqui.
Noemi Moritz Kon é psicanalista, Membro do Departamento de Psicanálise
do Instituto Sedes Sapientiae, Mestre e Doutora de Psicologia Social do
Instituto de Psicologia da USP e autora de: Freud e seu Duplo;
Reflexões entre Psicanálise e Arte (S. Paulo, Edusp/Fapesp,
1996/2015); A Viagem: da Literatura à Psicanálise (S. Paulo,
Companhia das Letras, 2003) e organizadora de 125 contos de Guy de
Maupassant (S. Paulo, Companhia das Letras, 2009).
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