Conversas sobre Psicanálise e Política com Mara Caffé

Analistas cidadãos da polis

De que modo as manifestações políticas ingressam em nossos atendimentos clínicos?Frente aos relatos dos analisantes e aos ruídos agitados das ruas, como procedem os analistas? Reconhecem o assunto em sua dimensão de experiência social compartilhada ou as tratam apenas como um tema secundário e encobridor de problemáticas mais substanciais? Damos lugar ao ódio, violência, vitalidade e engajamento vividos nas ruas? 

Uma coisa parece certa: quanto mais o psicanalista toma parte na cena política do mundo, mais os acontecimentos da rua adentram o seu consultório, possibilitando e alargando os efeitos da análise. Tenho visto, com satisfação, manifestações crescentes dos analistas com respeito aos temas sociais e políticos que marcam profundamente a sociedade brasileira. Dias atrás, tivemos a manifestação de psicanalistas sediada na USP em apoio à democracia. Organizamos recentemente, em nossa casa, eventos abertos aos profissionais, militantes e instituições de fora, sobre o racismo contra o negro e sobre a ditadura no Brasil, ambos consagrados em livros que serão publicados brevemente. Temos, também, um importante trabalho da Clínica do Testemunho em andamento no Sedes. Ainda este ano, teremos o evento Psicanálise e Política, da série Entretantos. Inseridos numa prática política mais intensa, ampliamos a produção de pensamentos coletivos, divulgando nossos posicionamentos e nos firmando como analistas cidadãos da polis. Com isto, conquistamos novos recursos à escuta clínica, reconhecendo as graves causas sociais na formação dos sintomas e abrindo-lhes um espaço no trabalho subjetivante da análise. Reavemos, assim, um lugar mais significativo à experiência política no âmbito das sessões, tirando-a das margens conforme os interditos de uma teoria psicanalítica excessivamente familiarista e conservadora, embaraçada com o que supostamente ameaçaria a neutralidade - não só do analista - mas do espaço próprio da análise. Como se algum processo vicejasse na neutralidade...

Mara Caffé é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, professora e supervisora no curso de Psicanálise. Possui doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (2002). Autora dos livros "Psicanálise e Direito: a escuta analítica e a função normativa jurídica" e "Crítica à normalização da Psicanálise".

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gaza como Metáfora

Destraumatizar: pela paz, contra o terror

‘Onde estava o Isso, o Eu deve advir’: caminhos da clínica contemporânea por René Roussillon