Conversas sobre Psicanálise e Política com Maria Aparecida Kfouri Aidar


O que em 2013 estava mais disperso foi-se definindo numa posição aparentemente maniqueísta. Sabemos que a coisa é sempre maior que a teoria e que o momento é complexo.  Desembocamos em “contra e a favor” do impedimento da presidente e as manifestações recentes foram centradas nesses dois pólos. Após a fachada da luta contra a corrupção cair de forma tragicômica no espetáculo de horror que nosso Congresso ofereceu no fatídico domingo da votação da indicação do impedimento, algumas pessoas de boa vontade e bom senso tiveram que rever pelo menos algo em suas posições. Será que isso se mantém? Que força tem a sociedade civil nesse momento? Como é possível resistir e combater a repetição, o eterno retorno do poder e a riqueza concentrados nas mãos de tão poucos? Mesmo que se tenha uma posição definida, mesmo que as cartas do jogo político estejam marcadas, já que o impeachment parece definitivo, quem sabe ao certo onde isso vai dar?.Podemos apenas conjecturar suposições.

Não há maniqueísmo possível, há que ouvir a voz das diferenças e das nuances. A meu ver essa é a luta: pelo aperfeiçoamento e continuidade da democracia; é em torno desse tema que reside o problema. Aqui sim haveria uma linha divisória entre quem é fascista e quem deseja a democracia que favoreça de fato a pluralidade e a circulação do poder; entre os egoístas preocupados com o seu quinhão e aqueles que são solidários ao outro, que sabem viver coletivamente e compartilhar; entre os que entendem a política como meio de aplastrar o rebanho de carneiros para conservar seus privilégios e os que entendem política como meio de conviver com as diferenças e os que acreditam na política como meio de melhorar a vida de toda a humanidade. Essa é minha utopia, meu sonho. E quem vive sem sonhar? Recorro à força de Pepe Mujica: "Há que salvar a política. Há que dar estatura à política, e isso não é um problema de partido, é um problema do Brasil. Pior que as derrotas é o desencanto"¹

Para o psicanalista esses são temas bem conhecidos: o respeito pelas singularidades, a escuta comprometida e sem preconceitos, a convivência com o outro, o empenho em superar os desencantos. Para a psicanálise que praticamos, o inconsciente, embora atemporal, é histórico e o psicanalista que se aliena perde a escuta. Estamos totalmente atravessados pela cultura, pela sociedade, pela política; somos produto de nossa época, produtores de cultura, singulares no tempo e no espaço e ao mesmo tempo semelhantes, temos traços universais que nos trazem a memória da espécie inteira. Em constante movimento, nem sempre a humanidade evolui, vivemos um momento em que o risco de involução é enorme. Mas, para manter algum otimismo, fico com o significado do ideograma chinês para crise: risco e oportunidade.
*(trecho do pronunciamento do senador e ex-presidente do Uruguai, José Pepe Mujica, durante solenidade da Medalha da inconfidência,  https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/361207427336474:0)
Maria Aparecida Kfouri Aidar é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientae, professora e supervisora do curso Psicanálise do mesmo instituto.

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