Ainda sobre as manifestações de repúdio à chamada "Cura Gay"

AINDA SOBRE AS MANIFESTAÇÕES DE REPÚDIO À CHAMADA "CURA GAY".

Cristina Petry

Como amplamente divulgado, a decisão do juiz Waldemar Cláudio de Carvalho da 14ª Vara de Justiça do Distrito Federal em 15/9/2017, através de uma liminar que suspende parte de uma resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP - Res.: 001/1999) em que está proibido expressamente que psicólogos exerçam “qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas” e veta “eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades”, provocou uma intensa onda de manifestações de repúdio nas mídias existentes e nas rodas de conversas, justamente pelas já conhecidas possíveis e abomináveis consequências deste ato, como por exemplo: sentimentos de inadequação, rejeição social, bullying, depressão, suicídios, internações compulsórias de adolescentes, medicalização desnecessária, entre outros. 

Nós, profissionais da saúde, sempre nos propusemos a atender casos de homossexualidades pelos efeitos de sofrimento que isto pode causar no Sujeito, na medida em que ele nos procura espontaneamente; porém, não se trata de reverter a homossexualidade, mas sim de tratar as angústias que podem advir de problemáticas geradas, acima de tudo, por conta do preconceito e intolerância sofrido por estas pessoas, cujas identidades de gênero e/ou orientação sexual elas mesmas têm de aprender a lidar. 

Por outro lado, uma onda que vem se destacando pela brutalidade desmedida expressa nos preconceitos postos em ato, defende a repressão do que, em última instância, trata-se de a sexualidade humana. Tema que desde os primórdios acabava por ficar relegado ao silêncio. 

Freud já afirmava em 1935 que não considerava a homossexualidade uma doença e que não confiava numa possível reversão da mesma. Embora a Organização Mundial da Saúde tenha retirado a homossexualidade da lista de doenças somente em 1990, o próprio Conselho Federal de Psicologia a havia retirado em 1985 da lista de transtornos mentais, assim como o Conselho Federal de Medicina no mesmo ano desclassificou a homossexualidade de ser um “desvio e transtorno mental”. Já a Associação Americana de Psicologia o havia feito desde 1975 e a Associação Americana de Psiquiatria desde 1973. 

Entendemos que o Juiz de Direito, ao tomar uma decisão, deve levar em conta o que é expresso nos autos e na Lei; parece ser desta maneira que Waldemar C. de Carvalho justificou a sua liminar. No entanto, sabemos que esta determinação é passível de interpretações variadas e pode vir a oferecer brechas para que haja propaganda enganosa de cura, internações compulsórias e instigar o acirramento de preconceitos, além de as mais variáveis atitudes agressivas provenientes da intolerância. Portanto, é preciso que o CFP recorra da ação, providência que já está em andamento, e é preciso também que todos os colegas da área, que lidam no seu cotidiano com pessoas atingidas por esta resolução, se manifestem a respeito. 

Existe um viés nessa discussão que vai além desses seus efeitos no social, pois embora haja uma tendência a realizar interface entre as áreas, o debate entre o que se entende ser as estruturas de poder, ou seja, religião, política e ciência, parece não avançar no diálogo e na compreensão do que é inerente às necessidades humanas. A religião, por tratar de dogmas, desconsidera as mais diversas comprovações científicas; permanece alienada no seu papel puramente doutrinário, porém usando cada vez mais dos meios políticos para exercer a sua influência. Conforme avalia o diretor do CFP, Pedro Bicalho, o que está em jogo é o Estado democrático de direitos nesse processo crescente de judicialização do cotidiano. 

A psicóloga e evangélica Rozangela Alves Justino, que já em 2009 sofreu um processo de censura pública pelo Conselho Federal de Psicologia por tratar a homossexualidade como distúrbio, cuja ação prega o que ficou conhecido como a “cura gay”, não aponta nesse processo que move junto a outros contra o CFP, evidências científicas de que isto seja possível. No entanto, parece ser possível haver interesses escusos na sua nomeação como assessora do deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) - ligado ao pastor evangélico Silas Malafaia que, segundo dados apontados pelo cientista social Leonardo Rossato, é dono de diversas clínicas de recuperação...


Cristina Petry é psicóloga clínica e psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, da Comissão de Admissão, do grupo de trabalho que elaborou e implantou o antigo Núcleo de Referência às Psicoses da Clínica Psicológica, da equipe clínica de Projetos da Clínica Psicológica do Sedes Sapientiae e do Convênio Sedes/CETESB onde prestou serviços como psicóloga autônoma contratada. Participa dos grupos de Leitura e Pesquisa: Anorexias e Bulimias, Novas Configurações Familiares, e Casos Clínicos de Freud acompanhados de comentários de Lacan.

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