O Instituto Nebulosa Marginal: um novo espaço de transmissão psicanalítica

Os psicanalistas Sergio Gomes Rosa Lúcia Paiva falam sobre o Instituto Nebulosa Marginal criado para praticar uma psicanálise crítica, mais viva e humanamente mais útil e que na pandemia através do Projeto Covid-19, realiza atendimento gratuito para a população vitimada pela epidemia e pelo isolamento social. 

O INSTITUTO NEBULOSA MARGINAL: UM NOVO ESPAÇO DE TRANSMISSÃO PSICANALÍTICA
Sergio Gomes
Rosa Lúcia Paiva

Na atualidade, muito está sendo pensado, pesquisado e estudado acerca de uma psicanálise para além dos portais e porões da IPA. O legado deixado por Sigmund Freud fez surgir uma psicanálise crítica, instigante e principalmente que dialogue com a filosofia, a medicina, as ciências sociais e um mundo contemporâneo em evolução. Uma psicanálise cada vez mais viva e humanamente mais útil.

A prática clínica se tornou pluralista e cada vez mais preocupada com a relação transferencial e contratransferencial, sobre a transmissão psíquica intergeracional, a corporeidade do paciente e do analista, as reveries, as identificações projetivas, o enactment, ao invés das estruturas que encarceram o sujeito numa prisão identitária. A psicanálise hoje se propõe a rever seus próprios conceitos, apesar de mantermos a tradição construída por Freud, constituindo-se numa psicanálise mais maleável em termos clínicos.

Os autores pós freudianos, principalmente aqueles oriundos da Escola Húngara e da Escola Inglesa, tornaram-se pontes para um pensamento cada vez mais proximal de um ser humano inserido em diferentes contextos de vida, acrescentando à psicanálise um fator multidimensional, corporal e intersubjetivo.

Foi a partir desse olhar, que pensamos iniciar uma série de encontros que tinham como proposta inicial, o estudo, a pesquisa e principalmente as trocas fecundas de uma psicanálise transmatricial (Figueiredo e Coelho Júnior, 2018), que mantinha um diálogo com autores não muito conhecidos, alguns deles considerados marginais, porém com teorias e conceitos seminais e relevantes para a compreensão do sujeito contemporâneo. Tomamos como ponto de partida, as proposições clínicas de Sándor Ferenczi, e os principais representantes do Middle Group da Escola Inglesa.

A partir de 2018, convidamos os psicanalistas Neyza Prochet, Raluca Soreanu e Maicon Cunha para um diálogo com o nosso grupo de estudo. Nesse tempo, o grupo ainda não possuía um nome de batismo, mas uma identidade em construção. Foi quando o nome “Nebulosa Marginal” surgiu como uma síntese da nossa identidade, a partir da leitura de “Géographie du champ psychanalytique” de Paul Bercherie (1988).
Nesse livro, Bercherie fez um mapeamento do desenvolvimento psicanalítico, dividindo o pensamento pós-freudiano em quatro vertentes teórico-clínicas: a chamada Psicologia do Ego e a corrente kleiniana foram denominadas de psicanálise ortodoxa; a psicanálise lacaniana foi a terceira vertente e, por fim, um quarto grupo denominado de “a nebulosa marginal” (termo criado por Michael Balint), a qual foi classificada de psicanálise heterodoxa. Para Bercherie, este foi o resultado de uma análise conceitual e epistemológica, no qual reunia personalidades em função de afinidades que estão presentes em seu pensamento e em sua prática, sem que eles constituam, portanto, um “vínculo social”. Para os autores deste grupo, há uma revitalização do interesse pela percepção, da presença dos aspectos perceptivos na constituição da subjetividade e da intensidade do vínculo transferencial-contratransferencial.

Segundo Nelson Coelho Júnior (1999) dentre as marcas da Nebulosa Marginal estão a preocupação em aprofundar a eficácia terapêutica da psicanálise e a busca por estender seu campo de atuação, resultado das contribuições do trabalho clínico de Sándor Ferenczi. Os analistas deste grupo procuraram garantir uma maior elasticidade da técnica psicanalítica, mesmo que isto implicasse em transgredir as regras da técnica clássica sedimentadas por Freud, através da tentativa de fazer com que o analista se deixasse guiar pelo paciente, favorecendo o processo espontâneo que se estabelece no próprio trabalho terapêutico. Desse modo, a escuta do analista passa a ser menos neutra para ser mais participativa, deixa de ser menos passiva e passa a ser mais ativa. A contratransferência já não é mais uma dimensão perigosa a ser domada, mas um valioso guia e o verdadeiro elemento condutor do processo terapêutico, aliás, como sempre foi. A ênfase na dialética entre o plano intrasubjetivo e o interrelacional é uma outra marca fundamental do grupo. A importância dada aos objetos na constituição da subjetividade implica também numa concepção bastante transformada do papel real dos pais na vida psíquica e emocional da criança e do lugar do analista (agora, necessariamente mais “ativo”) no processo terapêutico.

Assim, o nome “Nebulosa Marginal” é oportuno, uma vez que é característica das nebulosas se reunirem para formarem novos astros, estrelas e planetas, ou seja, formarem novos sistemas; e marginal, diz respeito à própria história da clínica psicanalítica, entre idas e vindas, a partir do momento em que alguns autores foram considerados à margem da psicanálise clássica, tal como o Grupo Independente ou Grupo do Meio na Inglaterra.

Além das contribuições de Sigmund Freud, do qual não abrimos mão, e somada às contribuições de Karl Abraham, Otto Rank, Sabina Spielrein e Theodor Reik – seus contemporâneos, são autores de nosso interesse: Donald W. Winnicott, Melanie Klein, Anna Freud, Michael Balint, Ronald Fairbairn, Harry Guntrip, Massud Khan, Christopher Bollas, Margaret Little, Wilfred Bion, Marion Milner e Ella Freeman Sharp. Resolvemos incluir como um dos autores de nosso interesse o maior expoente da Escola Húngara de Psicanálise, Sándor Ferenczi, além de Nicolas Abraham e Maria Torok, por compreendermos suas contribuições no que se refere ao manejo teórico-clínico de pacientes difíceis e de sua postura contrária à psicanálise clássica. Também temos especial interesse nas formulações teórico-clínicas de autores contemporâneos, a saber: André Green, René Roussillon, Piera Aulagnier, Didier Anzieu, Elisabeth Roudinesco, Pierre Fedida, na França; Thomas H. Ogden, Harold Searles, Hans Loewald e Dianne Elise, nos Estados Unidos; Vicenzo Bonaminio, Stephan Bolognini e Giuseppe Civitarese, na Itália;  e demais autores nacionais como Luis Cláudio Figueiredo, Nelson Coelho Júnior, Maria Rita Khel, Décio Gurfinkel, Jurandir Freire Costa, Benilton Bezerra, Marion Minerbo, Daniel Kuperman, Jô Gondar, Joel Birman, Luiz Alfredo Garcia-Roza, entre outros, que tem contribuído para o pensamento psicanalítico brasileiro a partir de uma leitura seminal da produção teórica psicanalítica.

Desse modo, o “Nebulosa Marginal: Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicanálise”, criado em 01 de julho de 2018, no Rio de Janeiro, passou a se chamar, a partir de Fevereiro de 2020, Instituto Nebulosa Marginal (Temos disponível um site na internet no endereço www.marginalnebulosa.com, além das redes sociais: Instagram, Facebook e um canal no Youtube).

Em sua origem, o Instituto é constituído por um grupo heterogêneo com pensamento independente de escolas ou instituições de psicanálise.  Somos plurais. Trabalhamos a partir do que Luis Cláudio Figueiredo e Nelson Coelho Júnior denominaram de uma “Psicanálise Transmatricial” (Figueiredo e Coelho Júnior, 2018), ou seja, a compreensão da psicanálise sem escolas e sem modelos teóricos rígidos, mas ao mesmo tempo complementares tanto na sua versão pulsional quanto na sua versão interrelacional.

A partir da pandemia do Covid-19 (Coronavirus) em todo mundo e particularmente no Brasil, resolvemos ampliar nosso escopo propondo duas atividades, além das supervisões clínicas que vínhamos realizando: o Projeto Covid-19, realizando atendimento gratuito para a população vitimada pela epidemia e pelo isolamento social, desde abril deste ano, através de um pequeno grupo de analistas que somaram forças para participar dessa cooperação clínica e solidária. Esse Projeto encontra-se em andamento e permanecerá enquanto durar o período epidêmico, tendo como coordenadoras as psicanalistas Rosa Lúcia Paiva e Claudia Amoedo. Na sequência, ainda a partir de abril deste ano, constituiu-se de uma série de cursos de curta duração em psicanálise, através de videoconferências, com preços acessíveis à população brasileira. Para isso, chamamos alguns colaboradores para participar desse projeto de transmissão psicanalítica a um público que vem crescendo cada vez mais e de várias partes do país. Nós também aliamos as propostas de cursos a uma ação social, por meio da doação de parte do valor arrecadado para quatro instituições que atendem pessoas em vulnerabilidade decorrente da pandemia. Acreditamos, com isso, que possamos contribuir para o movimento de solidariedade que se propagou em todo o mundo decorrente do evento epidêmico.

Enfim, seja pelo nosso desejo em sustentar uma pluralidade de pensamento teórico-clínico psicanalítico, seja pelo nosso desejo em criar novos espaços de transmissão psicanalítica, o Instituto Nebulosa Marginal pretende contribuir para a psicanálise brasileira e contemporânea apresentando alguns dos autores marginais da história da psicanálise, sem que seja preciso abandonar ou perder a tradição criada por Freud.

Sergio Gomes é psicanalista, Doutor em Psicologia Clínica (PUC-Rio), Membro Efetivo do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro, Membro Associado do Grupo Brasileiro de Pesquisa Sándor Ferenczi, diretor do Instituto Nebulosa Marginal e autor do livro “A gramática do silêncio em Winnicott” (Zagodoni, 2017). Email: sergiogsilva@uol.com.br

Rosa Lucia Paiva é psicanalista, Mestre em Psicologia Clínica (PUC-Rio), Vice-diretora do Instituto Nebulosa Marginal. Email: profrosalucia@gmail.com

REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS
BERCHERIE, P. Géographie du champs psychanalytique. Paris: Navarin, 1988.
COELHO JÚNIOR, N. E, Usos da percepção na psicanálise contemporânea. Percurso, 23(2), 1999.
FIGUEIREDO, L. C. ; COELHO JÚNIOR, N. E. Adoecimentos psíquicos e estratégias de cura: matrizes e modelos em psicanálise. São Paulo: Blucher, 2018.

Comentários

  1. Parabéns a este projeto de transmissor promissor e inovador do qual terei o prazer e a honra de participar em outubro com um curso sobre Sabina Spielrein e sua obra.

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    1. Olá Renata, gostaria de acompanhar as publicações do curso. Meu email é leda.aschermann@uol.com.br

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  2. Parabéns ao Departamento de Psicanálise do Sedes. Iniciativa necessária para quem atua na área social e de saúde pública. Sou enfermeira do programa de saúde da Família em um bairro periférico, divisa de Itapecerica da Serra e ona sul de São Paulo. Meu email é leda.aschermann@uol.com.br, peço que me.mantenham informada dos cursos, encontros, clínicas. Já fui aluna do Sedes, departamento de Psicanálise

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