Para Iago Rodrigues, aos seus 19 anos. Não bastavam mandados de prisão? Não bastava a apreensão? Não bastavam tiros de aviso?
Sob o impacto e a dor do massacre de mais de 100 pessoas ocorrido no Rio de Janeiro nesta última semana, Maria Laurinda escreve seu texto. Confira:
PARA IAGO RODRIGUES, AOS SEUS 19 ANOS.
NÃO BASTAVAM MANDADOS DE PRISÃO? NÃO BASTAVA A APREENSÃO? NÃO BASTAVAM TIROS DE AVISO?
Enquanto as mães choram e gritam sua dor em frente aos corpos estendidos no chão, nove governadores (de direita, mas não defensores do direito) se manifestam em gestos solidários ao mandante do crime, elogiando a ação e propondo, cinicamente, um consórcio da paz!
Na rua pintada de sangue, no alto de uma árvore, a cabeça de Iago Rodrigues. Iago que tem (tinha) 19 anos. 19 anos. 19 anos. É preciso muita ousadia e violência para degolar um jovem!
Antes, em terras distantes, assistíamos a essas cenas cometidas por homens a quem atribuíamos o nome de bárbaros. Ou, em terras próximas, soubemos que um inconfidente, o que se tornou herói de nossa história, teve destino semelhante.
Mas Iago não queria ser herói; queria apenas o direito de viver e fazer sua própria história. Ele e todos os que pereceram junto com eles.
Criminosos?
A quem cabe o título? Aos que foram executados ou aos que orgulhosos posam para a fotografia das grandes mídias?
E mesmo que fossem criminosos, como são os policiais que os mataram, quem autorizou a pena de morte neste país? E sem direito a defesa? Sem direito a voz?
Esses atos acabam com o narcotráfico? Com a violência?
Não, desta forma, sr. Governador. Há tempos sabemos que violência não se combate com mais violência. Ela só gera mais violência.
Enquanto celebrávamos a erradicação, mais uma vez, da pobreza, a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até 5.000 reais, a defesa de nossa soberania, um mandante criou um fato novo, mais radical: o morticínio dos pobres, pretos, moradores do morro do Rio de Janeiro. Novamente, com a estratégia de caos, medo e desalento uma tentativa de oferecer-se como guardião da segurança. O medo legitimando práticas de exceção.
Mas as mães não silenciam. O luto provocado pela violência é ruidoso, ecoa nas ruas, cria solidariedades.
Tal como Clarice Lispector, que se horrorizou com os 13 tiros dados em Mineirinho, também eu me indignei com o número de corpos que aumentava a cada nova notícia sobre o massacre. E me identifiquei com eles, com seu desamparo, com sua impossibilidade de outra vida. E perguntei à minha empregada o que achava sobre essa chacina. Sua resposta foi evasiva. “Vi no seu rosto a pequena convulsão de um conflito”. Depois, um lamento: é muito duro viver ao lado de traficantes; eles ameaçam, podem até pegar minha casa. Mas matar? Matar... isso não. Será?
Também a uma outra senhora a quem comentei a manifestação pública contra o governador do Rio de Janeiro, me perguntou: Mas e os bandidos? Vão continuar cometendo crimes? Ainda tentei reagir: Mas são todos criminosos? Ela não me deu crédito.
Não posso deixar de reconhecer o medo e a ideia tão antiga de que bandido bom é bandido morto ou de que pobre e preto é sujeito suposto criminoso. Mas não posso fingir que nada há a fazer. Com Iago, “se rebentou meu modo de viver” como tantas vezes em situações semelhantes. Como não amá-lo se ele viveu só até os 19 anos. E posso imaginar que muito mais viveria. E que muitas histórias poderiam nos contar.
E não posso deixar de me juntar a essas mães enlutadas na força de luta contra mandantes e policiais que se consideram justiceiros. E na força de luta para que os direitos básicos sejam sempre garantidos: escola, saúde, moradia, renda básica, trabalho digno e com proteção legais.
Os crimes cometidos no Morro do Alemão e da Penha “me assassinam – porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro”
Obs. A crônica de Clarice Lispector, Mineirinho, escrita em 1969, me acompanhou neste escrito. As aspas remetem ao seu texto.
M. Laurinda R. Sousa é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Sedes Sapientiae e colunista do Blog do Departamento.
Lindo texto, Laurinda. Haja elaboração para lidarmos com essa monstruosidade traumática à qual somos todos submetidos...
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