Isolamento Social e a Psicanálise a Distância: uma forma de manter o espaço analítico?
Nossa colega Eloisa Tavares Lacerda compartilhou com o
Blog suas experiências de atendimentos à distância, desafio que todos nós
psicanalistas estamos enfrentando na atualidade com a indicação de isolamento
social como forma de enfrentamento da Pandemia.
Isolamento Social e a
Psicanálise a Distância:
uma forma de manter o espaço
analítico?
Eloisa Tavares de Lacerda
O
que é mobilizado no analítico face a face é de natureza completamente diferente
do que ocorre no dispositivo “divã-poltrona”. (Diana
Tabacof)
Em
três situações distintas precisei me dispor seja a um acolhimento, seja a um
atendimento de forma não presencial. A primeira, há mais de 12 anos, foi a
consulta de uma pessoa que me encontrou na internet. Essa mãe tinha um filho de
um ano e quatro meses, julgado autista, e a família já estava se preparando
para se mudar para os EUA, onde encontraria, seguindo uma recomendação, um
atendimento cognitivo comportamental. Como estava com dúvidas, recorreu à
internet e encontrou outras formas de “acompanhar uma criança dita autista com
um tratamento psicanalítico pais/bebê/criança pequena”. Coloquei-me à disposição dessa mãe e por algumas semanas
trabalhei diretamente com ela via Skype. Nessas sessões, somente com a mãe, fui
acolhendo suas questões e seus medos relacionados ao desenvolvimento de seu
filho e ao funcionamento de sua casa, paralisada entre as angústias maternas,
as demandas do bebê e a ira paterna, frente a uma incompreensão total do
“funcionamento afetivo/relacional” dessa dupla que o deixava sempre “de fora”.
Aos poucos, foram aparecendo questões bastante delicadas e importantes dessa
mãe na relação com seus próprios pais... até que juntas pudemos optar por essa
mulher/mãe seguir em análise comigo, quando voltaram definitivamente ao Brasil
e pude fazer o encaminhamento da criança para um colega. A partir daí,
começamos um tempo de análise presencial e não mais remoto. E assim seguimos
com sua análise até seu filho ficar adolescente. No Brasil, o pai também sentiu
necessidade de ter um analista para ele e o encaminhei também.
Nas
outras duas vezes, o movimento foi, pode-se dizer, inverso. Duas analisandas
foram passar um tempo fora do Brasil e quiseram manter suas análises. Em ambos
os casos, ao voltarem a São Paulo, retomamos suas análises no consultório.
Em
nenhum desses casos havia uma imposição externa de uma situação de isolamento
social, como está acontecendo no momento atual, quando a opção se estende a
todos os pacientes, em função da pandemia provocada pelo covid-19.
Sim.
Cada análise é única. E há também os casos em que nos desafiam. Atendo há cerca
de 12 anos uma analisanda que somente nos últimos 2 anos vem podendo começar a
colocar palavras em vivências muito traumáticas de seus tempos de criancinha
até sua adolescência. Embora suportada pela mãe no que diz respeito aos
cuidados operacionais, encontrava-se completamente abandonada de cuidados
subjetivos, emocionais e afetivos. Agora, estão aparecendo as palavras e, com
elas, vamos substituindo as linguagens da sensorialidade – muito usadas como
sua forma preferencial, melhor dizendo, como possibilidade de perceber o mundo
e de se defender dele também. Nesse caso, se ainda não houvesse essa escuta,
não teria sido possível que ela pudesse
continuar em outra modalidade que não a presencial.
O
que fazer em cada caso? Interromper as consultas por prazo ainda indeterminado
ou continuar online? Escolhi a
segunda alternativa e estou atendendo os analisandos que optaram por
transformar seus encontros presenciais em cyber encontros. No caso de bebês, venho acolhendo as demandas
de seus pais em sessões online para
que eles possam ajudar suas crianças a passar por essa Pandemia. Um paciente
adulto e uma adolescente não quiseram continuar.
Em
uma primeira avaliação, parece que tudo corre bem. Contudo, essa “nova”
modalidade de escuta não deixa de nos interrogar e de pôr em cena o próprio
conceito de presença. Como garantir o
trabalho analítico? A psicanalista Diana Tabacof oferece uma alternativa que,
penso, merece uma reflexão. Para ela, é preciso que o quadro analítico esteja
internalizado: “A estrutura interna do analista é o que um paciente também
constrói dentro de si; uma estrutura para sua própria psique, quaisquer que
sejam as circunstâncias”. E,
acrescenta: “é essencial avaliar a viabilidade desse trabalho remotamente, com
base em vários parâmetros”. Termino estas considerações com o pensamento de que
a urgência atual de certa forma determina que nossa questão maior seja: o que podemos fazer. Talvez esteja aí a
dimensão ética do trabalho analítico possível.
Eloisa Tavares de Lacerda
é psicanalista e fonoaudióloga, membro
do Departamento de Psicanálise e do Departamento de Psicossomática Psicanalista
do Sedes Sapientiae e coordenadora da Clínica da Constituição do Laço:
corpo-linguagem-psicanálise. Implantou e coordenou na Cogeae/PUC-SP o curso de
pós-graduação Latu Senso Clínica Interdisciplinar com o bebê: a saúde física e
psíquica na Primeira Infância (2003-2010) e o Serviço de Acolhimento Relação
mãe/bebê da Derdic/PUC-SP (2004-2011).
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